Terça, 03 Dezembro 2024

Conflito entre governos estadual e federal, no entanto, continua atravancando o projeto da ligação seca

A Ecovias afirma que está prestes a reapresentar o projeto reformulado da ligação seca Santos-Guarujá ao Governo do Estado, para que possa ser reanalisado a partir de novas sugestões e melhorias, buscando atender à comunidade de transportes multimodal. A informação foi divulgada pelo diretor-executivo de Concessões Rodoviárias da EcoRodovias, Rui Klein, durante o webinar “Otimização da infraestrutura de transportes e soluções para gargalos logísticos”, promovido pelo Fórum Nacional Brasil Export.

Mar Cais das letras

“Não quero antecipar, mas em julho e agosto teremos agendas de destaque para o projeto reconfigurado. Todos que trouxeram críticas e preocupações, como a Autoridade Portuária, ficarão felizes com o resultado”, garante. A ponte Santos-Guarujá seria “a cereja do bolo" do conjunto de obras que contemplaria a interligação Planalto-Baixada, o maior corredor de exportação da América Latina, afirmou Rui Klein durante o debate.

A EcoRodovias planeja a construção de uma nova pista transpondo a Serra do Mar no Sistema Anchieta-Imigrantes, mas que em curto prazo o objetivo é ampliar a capacidade operacional de tráfego. "Fizemos terceiras faixas ao longo de trechos por toda a Baixada Santista”, explicou o diretor.

O processo da ligação seca
Recentemente, a Superintendência do Patrimônio da União (SPU) liberou o início das sondagens no Porto de Santos para que a Ecovias elabore o projeto de ligação seca. A Autoridade Portuária afirma que não recebeu, até o presente momento, qualquer solicitação após a publicação da Portaria no. 12.622, de 20 de maio de 2020. A Ecovias, por sua vez, informou que não tem novidades sobre o tema.

Conforme a SPU, a autorização de obra expedida abrange os terrenos de domínio da União sob gestão da Superintendência sem utilização por particulares ou entes públicos, e, portanto, não contempla acesso em áreas privadas, áreas do Porto Organizado, canal de acesso ao porto e áreas de gestão do DNIT. “Nestas áreas a Ecovias deverá solicitar as autorizações devidas, conforme Portaria, além de contar com manifestação favorável dos órgãos ambientais. Serão 36 meses de sondagem, e o início do trabalho será definido pela Ecovias”.

Assim como a Ecovias, o governo estadual também anunciou, sem determinar prazo, que deverá apresentar a nova versão do projeto de ligação seca (ponte da Ecovias) ao governo federal e ao Porto de Santos, conforme informou a Secretaria de Logística e Transportes de SP em recente evento realizado pelo Lide Santos. Não há notícias, no entanto, da aprovação das licenças ambientais da ponte, segundo a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb).

Questões técnicas da ligação seca
Para tentar aprovar o projeto junto à Autoridade Portuária, a Ecovias fez alterações no projeto da ponte ligando as duas margens do porto. A Praticagem de São Paulo afirma, no entanto, que uma ponte é um obstáculo que pode prejudicar a navegabilidade do Porto. Nas últimas reformulações do projeto divulgadas pela Secretaria de Logística e Transportes consta que a distância entre os pilares da ponte saltou de 325 m para 750 m (mais que dobrou) e os pilares foram retirados do Estuário conforme as demandas apresentadas pela Autoridade Portuária, afirmou João Octaviano Neto.

O Ministério da Infraestrutura informou que o projeto da Ecovias foi apresentado para a Administração Portuária, para o Conselho de Autoridade Portuária (CAP) e para o Ministério da Infraestrutura em 2019. “Naquela oportunidade, a Autoridade Portuária se manifestou contrária ao projeto e apresentou contraproposta com a construção de um túnel que não limitasse a capacidade operacional e os projetos de expansão do porto. O projeto da Santos Port Authority (SPA) foi apresentado no CAP, que declarou apoio ao projeto por entender que se adequaria aos instrumentos de planejamento do porto”, explicou o Minfra.

Após essas discussões, a Ecovias informou que estudaria melhorias e ajustes em sua proposta. “O assunto não foi mais trazido para discussões no âmbito do conselho. O CAP aguarda que lhe seja disponibilizado o novo projeto, para que, então, possa fazer amplo debate sobre o tema”, disse o ministério. Segundo a pasta, a Autoridade Portuária também informou que desconhece o novo projeto e que aguarda as discussões com a concessionária e o governo do Estado de São Paulo.

O deputado Tenente Coimbra, integrante da Comissão de Transportes e Comunicações, acredita que o túnel atende às demandas da área portuária e também à questão da mobilidade urbana entre Santos e Guarujá, possivelmente com ciclovias e até a inserção do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), fazendo uma ligação do transporte público intermunicipal. Já a ponte, cuja entrada está prevista apenas até o começo de Santos, fará com que a maioria dos moradores continue tendo que pegar filas para usar a balsa, ressalta.

O deputado entende que os projetos apresentados pela autoridade portuária de Santos têm custo semelhante e seriam financiados pela Ecovias. “Não entendemos o motivo da Ecovias insistir na ponte”. Coimbra defende um debate amplo envolvendo não apenas o setor portuário, mas também sob o prisma da mobilidade urbana e das desapropriações necessárias para a obra. “Espero que essas discussões sejam retomadas, que consigamos encontrar um denominador comum para atender tanto ao setor portuário quanto à mobilidade, ajudando a Baixada Santista como um todo”.

O diretor-presidente da Federação Nacional dos Operadores Portuários (FENOP), Sérgio Aquino, destacou as recomendações internacionais para que se evite interferência no canal do porto. Essa prática mundial, segundo ele, busca garantir a evolução futura da movimentação portuária. Ele lembrou que o projeto da ponte elaborado no governo de Prestes Maia na região da Alemoa- Saboó- Barnabé recomendava uma ponte com 44 m de altura. Se implementado, o projeto teria sido um obstáculo, impedindo a existência de empresas como a VLI, além da criação de terminais na Alemoa, como a BTP.

O diretor do Sindicato das Agências de Navegação Marítima do Estado de São Paulo (Sindamar), José Roque, voltou a apontar os problemas que a ponte apresenta para o Porto de Santos. “A ponte vai atrapalhar os navios que cada vez são maiores, e a presença dela é um risco para os navios que vão fazer evolução na baía, dependendo de condição de maré, vento. O fato de afastar um vão do outro, retirando os pilares do Estuário, é porque ele precisa estar livre para o navio passar. E se cair um contêiner ali, atrapalha todo o tráfego para a VLI, a Usiminas, a BTP. E ainda, se um caminhão perde o controle na ponte e cai no canal, pára toda a movimentação de navios”. Ele defende que se ouça a Marinha, que cuida da segurança da navegação. Além disso, a ponte vai afetar os investimentos as áreas anteriores no cais do Valongo, e de Guarujá terá sua vida afetada, especialmente quem mora nos bairros onde a ponte será erguida.

Roque ressalta que a nova versão atualizada do projeto precisa ser apresentada ao segmento portuário e à comunidade em audiência pública, para que seja devidamente avaliado. Segundo ele, a proposta de levar o projeto da ponte adiante é fruto de uma decisão unilateral. “Defendo que o novo projeto seja apresentado em audiência pública, para que todo o segmento portuário e a sociedade se manifestem, como ocorreu no ano passado. Quando apresentaram o projeto foram muito criticados”.

Diante da falta de entendimentos entre o governo federal e estadual sobre a ligação seca, o consultor portuário Eduardo Lustoza reafirma que o projeto da ligação seca se tornou uma questão política. Por isso, como ele e José Roque, muitos não acreditam que o projeto da ponte seja aprovado.

O fato é que, sem a devida infraestrutura logística que atenda às suas necessidades, o Porto de Santos vai perdendo a oportunidade de se tornar um dos maiores do mundo, conforme planeja o governo federal. Também perdem as cidades de Guarujá e Santos, cujas distâncias poderiam ter sido encurtadas há um século, quando começaram as discussões sobre a tão sonhada ligação seca.

* Colaborou o jornalista e editor do Portogente Bruno Merlin

Marcia editada* Jornalista, fotógrafa, pesquisadora, docente, pós-doutora em Comunicação e Cultura e diretora da Cais das Letras Comunicação. Contato: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

 

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