PortoGente entrevistou nesta semana o diretor do Departamento Hidroviário da Secretaria dos Transportes de São Paulo, Frederico Bussinger, que defendeu a implantação de uma hidrovia na Baixada Santista, no litoral paulista. Em sua opinião, investir neste modal ajudaria a reduzir os gargalos logísticos que assustam, há anos, quem entra e sai do Porto de Santos. “Economicamente é sabido que, dependendo da escala, o transporte hidroviário pode ter custos significativamente menores que os do modal rodoviário”.
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Bussinger reconhece que os projetos do Governo de São Paulo, como o Rodoanel, por exemplo, quando implantados, resolverão parte dos problemas que envolvem o transporte de cargas entre o centro produtor e o maior porto da América Latina. No entanto, só as hidrovias poderiam, a longo prazo, tirar os caminhões das estradas. “O convencimento do empresariado é um grande desafio. Há interesses que se opõem e barreiras culturais a serem vencidas”.
PortoGente – Qual a importância da hidrovia da Baixada Santista sair do papel?
Frederico Bussinger – Eu entendo que ela é possível, é viável e é necessária. E talvez pudesse ser acrescentado ainda que ela é inexorável. Possível porque a Baixada foi abençoada com uma extensa rede de rios e espelhos d’água. Sobre eles já há ou podem ser implantados canais de navegação. Viável porque, fisicamente, alem desses canais de navegação, a região conta com espaços generosos para a implantação de terminais especializados, dentro e fora do porto organizado. E economicamente é sabido que, dependendo da escala, o transporte hidroviário pode ter custos significativamente menores que os do modal rodoviário.
No gráfico acima, a barra azul aponta as características do modal
hidroviárip, a laranja corresponde às ferrovias e a vermelha às rodovias
PortoGente – O senhor também usou o termo inexorável. Por quê?
Frederico Businger – Porque o cenário de paralisia dos trânsitos e de crescimento do vetor ambiental faz crescer as vantagens comparativas do modo hidroviário. Sente-se isso nas discussões e nas propostas de melhoria das condições da Hidrovia Tietê-Paraná e, mais recentemente, para implantação do Hidroanel Metropolitano em São Paulo. Mas, também, essa é uma realidade que vem sendo crescente na internalização de cargas portuárias, em diversos portos do mundo. No Norte da Europa, por exemplo, há casos em que mais da metade da internalização das cargas portuárias é feita hidroviariamente. E isso cresce a cada dia.
PortoGente – Apesar das vantagens, por que a hidrovia no Brasil é quase um assunto utópico?
Frederico Bussinger – Bem, se isso tudo sairá do papel são outros 500. No Brasil, os discursos, ideias e propostas, principalmente se para o outro, proliferam mais rapidamente que as ações concretas. A torcida pela implementação do transporte hidroviário na Baixada Santista é grande. E o Governo de São Paulo, através do Departamento Hidroviário da Secretaria de Transportes, tem uma longa experiência acumulada com a operação da hidrovia no Tietê e está disposto a contribuir com essa empreitada.
PortoGente – A hidrovia seria importante economicamente para a Baixada Santista?
Frederico Bussinger – Sim, tanto pela redução dos custos logísticos com cargas quanto como um fator estimulador para que novos empreendimentos portuários, logísticos ou industriais sejam implantados na região. Sem contar que os fluxos de transporte envolvendo o Porto de Santos enfrentam gargalos. As intervenções infraestruturais projetadas, quando implantadas, resolverão alguns deles. Porém, a implantação do transporte hidroviário permitirá que os pontos de integração intermodal se multipliquem na região e, com isso, existirão melhorias duradouras.
PortoGente – Como convencer os empresários a apoiar uma hidrovia às margens do porto, a mudar a matriz de transporte?
Frederico Bussinger – É bom esclarecer que o transporte hidroviário não viria para eliminar o transporte rodoviário, hoje predominante. No entanto, permitiria que as rodovias operassem mais próximas da faixa de eficiência, com benefícios, inclusive, para os empresários do setor e os caminhoneiros. O convencimento é um grande desafio. Há interesses que se opõem e barreiras culturais a serem vencidas.
PortoGente – Não tem jeito, então?
Frederico Bussinger – Calma. Os empresários são, em princípio, racionais e se usarmos instrumentos institucionais e normativos, a situação poderia ser mudada. Também se o uso do transporte hidroviário, como primeira conexão, fosse pensado e previsto desde o projeto, as coisas poderiam se tornar mais simples e rápidas. Os empresários rodoviários deveriam ser chamados e envolvidos em tal projeto. Afinal, antes de serem empresários rodoviários, eles são empresários de transporte e, ainda, muitos estão se transformando em operadores logísticos.
PortoGente – Ecologicamente seria interessante a Baixada Santista apoiar essa hidrovia?
Frederico Bussinger – Certamente, pois sabemos que o transporte hidroviário é, energeticamente, mais eficiente e, ambientalmente, o mais amigável. Comparando-o com o transporte rodoviário, por exemplo, ele é 29 vezes mais eficiente, consome 19 vezes menos combustível e emite 6 vezes menos gás carbônico. E a questão das emissões é particularmente importante na Baixada Santista, onde a dispersão dos poluentes encontra alguns obstáculos específicos. O próprio governador José Serra disse que “90% do transporte de mercadorias em São Paulo se faz em caminhões, com quase 50% das viagens sem carga. É consumo inútil de energia”.