* por Marco A. Negrão Martorelli
A Lei 8.630 de 1993 (Lei de Modernização dos Portos), em seu Capítulo VI, bipartiu a administração portuária em dois órgãos distintos, com atribuições bem definidas, que são o Conselho de Autoridade Portuária - CAP (Seção I, artigos 30,31 e 32) e a Administração do Porto Organizado (Seções II, artigos 33 e 34). É assim bifronte a Administração Portuária, nos termos estabelecidos pela Lei de Modernização dos Portos.
Esse mesmo diploma legal determina em seu inciso X, parágrafo 1º do artigo 30, a elaboração de um Plano de Desenvolvimento e Zoneamento Portuário, o PDZ. Esse plano deve ser elaborado pela Administração Portuária e submetido, em seguida, à aprovação do Conselho de Autoridade Portuária, cuja competência, nesse caso, se restringe a aprovar o PDZ ou não, na sua íntegra ou parcialmente.
Caracteriza-se o Plano de Desenvolvimento e Zoneamento Portuário como uma diretriz da ação estatal sobre a estrutura portuária e se insere no planejamento da administração pública como uma expressão da “política portuária” em um ato administrativo que supera os limites da atividade de mera gestão interna das companhias portuárias ou de interesses locais, pois esse plano objetiva a integração das necessidades do país em matéria de transporte portuário com as realidades presentes e as previstas para a economia de nosso país, buscando a eficiência e modernização do Porto Organizado, objetivo de política econômica.
Abra-se aqui um parêntese para se rememorar que a planificação estatal surgiu no século findo, com a primeira grande guerra, que se caracterizou como um fenômeno social totalitário e que reclamou uma regulamentação da atividade industrial e econômica para atender ao “esforço de guerra” dos litigantes e em contraposição ao sistema do laisser faire que caracterizava as administrações públicas até então. O planejamento estatal ganhou maiores dimensões na extinta União Soviética, com seus colossais planos qüinqüenais de desenvolvimento. Esse instrumento, o planejamento estatal, é hoje essencial à administração do estado moderno, além de constituir paradigma obrigatório de comportamento para os órgãos estatais.
Não se concebe mais a administração pública sem determinado grau de planejamento, como se pode observar das peças orçamentárias que superam os limites de uma simples previsão de natureza econômica, para caracterizar o norteamento da economia do Estado.
Nesse sentido integra nosso ordenamento constitucional, no regramento dos Princípios Gerais da Atividade Economica" a disposição do art. 174, caput:
"Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado".
O PDZ insere-se, portanto, nos chamados Planos Plurianuais – como o previsto no artigo 165 da Constituição Federal, e regulamentado pelo Decreto 2.829, de 29 de outubro de 1998 – que estabelece as medidas, gastos e objetivos a serem seguidos pelo Governo Federal ao longo de um período de quatro anos.
Por analogia, esses dispositivos da Carta Magna regem também o PDZ, pelo que passamos a expor as regras gerais da CF, de forma a demonstrar a compatibilidade ora sustentada.
Com a adoção do plano, torna-se obrigatório o Governo planejar todas as suas ações e também seu orçamento de modo a não ferir as diretrizes nele contidas. Conforme a Constituição, também é sugerido que a iniciativa privada volte suas ações de desenvolvimento para as áreas abordadas pelo plano vigente.
O decreto que regulamentou o Plano Plurinanual prevê que sempre se deverá buscar a integração das esferas do poder público (suas três esferas), e também destas com o setor privado.
Pode-se afirmar que o Plano Plurianual faz parte da política de descentralização do governo federal, que já é prevista na Constituição vigente. Nas diretrizes estabelecidas em cada plano, é fundamental a participação e apoio das esferas inferiores da administração pública, que sem dúvida têm mais conhecimento dos problemas e desafios que são necessários enfrentar para o desenvolvimento sustantável.
No comento dessa norma em sua obra “A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 13ª ed. – Ed. RT, pág. 306) ensina o Ministro EROS ROBERTO GRAU:
“... O planejamento de que trata o art. 174, referido no seu par. 1º é – repito – o planejamento do desenvolvimento economico. O que diz a Constituição, em síntese, no conjunto de preceitos aos quais há pouco fiz alusão, e que importa considerar, é que a União (o Executivo) elaborará planos nacionais e regionais de desenvolvimento econômico e social, planos que deverão ser aprovados pelo Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, os planos nacionais serão executados pela União e deverão compreender os planos regionais, que serão executados pelos organismos regionais...
... Os planos são fundamentalmente normas-objetivo, isto é, normas que definem fins a alcançar. É o seguinte, pois – e apenas este – o significado da cláusula final no art. 174 da Constituição de 1.988: a realização dos objetivos visados pelos planos nacionais e regionais de desenvolvimento é determinante para o setor público, porém meramente indicativa para o setor privado”.
Os Planos de Desenvolvimento e Zoneamento dos Portos, e especialmente o do Porto de Santos qualificam-se, portanto, como um ato da administração pública federal indireta a nortear seu futuro, em suas múltiplas relações, intra e extra-porto dentro do planejamento econômico estabelecido pela Constituição Federal.
Observe-se que, à semelhança do Plano Plurianual que é objeto de aprovação pelo Congresso Nacional, o PDZ do Porto de Santos foi elaborado pela Administração Portuária, após alongado processo de discussão e consultas à comunidade portuária, sendo finalmente aprovado, in totum, pelo Conselho de Autoridade Portuária por meio de sua Resolução nº 2 proferida na reunião de 21 de março de 2006.
A Resolução nº 2 do CAP, de 21.3.06, aprovou a proposta do PDZ do Porto de Santos feita pela Administração Portuária sem ressalvas, acatando todas as diversas modificações sugeridas no texto apresentado, e assim se qualificou como norma–objetivo, de natureza cogente para a Administração Portuária.
E essa cogência do novo PDZ implica sua observância naquilo que alterar os arrendamentos portuários quando das suas obrigatórias reavaliações contratuais que devem ser levadas a efeito a cada cinco anos, por força do disposto no parágrafo único do artigo 28 da Resolução nº 55 da ANTAQ, devendo o Conselho de Autoridade Portuária velar pela sua observância.
Do exposto, observa-se que há espaço e necessidade para que a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), no exercício de sua função regulatória, expeça resolução normatizando os Planos de Desenvolvimento e Zoneamento Portuário, seus efeitos sobre os contratos vigentes e futuros e até mesmo sancionando sua transgressão.
* Marco A. Negrão Martorelli é advogado.