O engenheiro eletricista e secretário-adjunto de Assuntos Portuários, Indústria e Comércio da Prefeitura de Santos (SP), José Antônio Oliveira de Rezende, falou ao Portogente que a descentralização da gestão dos portos brasileiros precisa contemplar autonomia administrativa e resolução definitiva para os passivos existentes, como o do Portus, o fundo de previdência dos portuários. No caso do Porto de Santos, observou Rezende, é necessário atrair a movimentação de produtos de maior valor agregado nas exportações e possibilitar que os terminais de contêineres deixem de operar aquém de suas capacidades.
Portogente - É desejável e justificável implantar a regionalização dos portos no Brasil, entendida como alterar a forma de escolher os executivos da alta direção dos portos, hoje centralizada no Governo Federal, e fazer essa seleção alinhada conforme o desenvolvimento regional?
José Antônio Oliveira de Rezende - Sim, mas sob forma de descentralização, posto que o termo "regionalização" já teve desdobramento jurídico que restringiu essa denominação. De fato, a atual forma de escolha dos executivos do sistema portuário público está sujeita a ingerências e volatilidades políticas, incluindo os períodos de mandatos. Mas, mesmo que a escolha fosse feita por critérios exclusivamente técnicos e prazos estáveis, ainda assim os executivos teriam outras dificuldades, principalmente a falta de autonomia administrativa e financeira, além dos passivos trabalhistas, entre eles o Portus, por exemplo.
No mais, a centralização atualmente existente, ao contrário do modelo da legislação portuária de 1993, não assegura ganhos de produtividade nem de competitividade nas operações dos portos públicos. Os quatro blocos representativos que o integram foram responsáveis por uma transição bem conduzida, que resultou em significativa ampliação da capacidade do Porto de Santos, reduzindo as tensões sociais decorrentes da modernização das operações portuárias. Todas as instâncias de governo, operadores portuários, usuários do porto e trabalhadores estão representados e vinham desempenhando seu papel com responsabilidade.
Hoje, porém, essa representatividade tão bem sucedida foi reduzida à condição de órgão consultivo. A perda do caráter deliberativo dos Conselhos de Autoridade Portuária (CAPs) estancou um processo que vinha sendo bem sucedido, que evoluía na direção da regionalização. A mesma legislação dinamizou a criação de Terminais de Uso Privado (TUPs), ampliando suas possibilidades comerciais sem assegurar condições de competitividade para os portos públicos. A persistir a condição atual, pode-se dizer que os portos públicos, patrimônios da nação, correm sério risco! Nesse sentido, a descentralização dos portos, associada à sua gestão profissional, especializada e autônoma tende a ser mais efetiva do que o modelo atual, centralizado e politizado. É assim nos principais portos do mundo ocidental, com ênfase para Rotterdam e Antuérpia.
Nesse caso, a solução mais adequada seria a concessão por período determinado, com cláusula de prorrogação, a exemplo do que já ocorre com rodovias, por exemplo. A concessionária teria maior autonomia de gestão, inclusive na captação de recursos e mercados. Os atuais conselhos de administração seriam mantidos, porém com representação ampliada, incluindo estados e municípios, de forma a assegurar conciliação entre interesses empresariais e governamentais. A definir seria quem assumiria os passivos e contenciosos existentes, para evitar o engessamento do novo modelo.
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Portogente - Ao abordar a regionalização dos portos sob a ótica da produtividade, qual o melhor entendimento da sua modelagem: geográfica (seu entorno) ou logística (sua hinterlândia)?
José Antônio Oliveira de Rezende - Logística! A descentralização seria entendida como participação efetiva dos entes regionais no planejamento e implantação de medidas que aumentem a eficiência, produtividade e competitividade dos portos. Afinal, os portos são uma parte da cadeia logística, dependendo de acessos, modernização operacional e áreas de expansão para realizarem plenamente seu potencial. No caso do Porto de Santos, localizado no estado mais industrializado do País, a participação de produtos de maior valor agregado nas exportações é insipiente vis a vis da operação de granéis. Os terminais de contêineres operam significativamente aquém de sua capacidade operacional. O "Custo Brasil", basicamente logístico, tem sido o vilão da competitividade dos produtos nacionais no mercado internacional. Falta de silagem na origem, manutenção deficiente de estradas, ainda baixa participação do modal ferroviário na matriz de transportes, quase inexistência de hidrovias, distância das indústrias em relação aos portos, bem como as limitações para o transporte de seus produtos, em função de restrições físicas das vias de acesso aos portos e grandes dificuldades para o licenciamento de novos projetos são alguns dos itens que contribuem para esse contexto negativo.
Ainda a respeito do Porto de Santos, a Baixada Santista dispõe de áreas com potencial para expansão de atividades portuárias, retroportuárias e industriais. As indústrias poderiam ser instaladas nessas áreas, próximas aos portos, com incentivos fiscais, o que representaria redução de custos de produção e transporte. É o que ocorre, uma vez mais, nos portos que são referência no mundo. Aliás, existem dispositivos legais que permitem a criação de Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs). No caso do Porto de Santos, fica a dúvida do motivo pelo qual o Governo do Estado não aderiu à redução de ICMS para essas áreas. O ideal é que essas indústrias sejam de baixo impacto ambiental e voltadas para o desenvolvimento de produtos de alta tecnologia, também contribuindo para o desenvolvimento do Brasil.
É importante ressaltar que a solução dessas questões logísticas em relação aos portos, que representam mais de 90% do comércio exterior do País, depende de uma visão empresarial e, também, de Estado, pois as concessões de vias de transportes abrangem todas as esferas do executivo (federal, estadual e municipal). Daí a importância da participação de todos esses entes no processo. Mas não se pode esquecer que os municípios, embora colham bônus da existência de instalações portuárias em seu território, também são afetados negativamente por essas atividades. Também estão sob sua jurisdição possíveis áreas de expansão. Isso interessa aos municípios, aos estados, ao País e à iniciativa privada. Daí a importância de sua participação nas definições do sistema portuário nacional. Escusado lembrar a importância do compromisso com a sustentabilidade em qualquer solução. Isso implicada em projetos bem elaborados, sim, mas também na agilidade nos licenciamentos pertinentes. Os portos têm potencial para gerar milhares de empregos, contribuindo para o equacionamento de questões sociais, propiciando melhoria da qualidade de vida.
Portogente - Na regionalização dos portos, a sua organização deve prever nítida distinção entre a direção e a gestão de um porto?
José Antônio Oliveira de Rezende - Independentemente do modelo adotado, é importante que haja um planejamento nacional, desde que ele não limite o desenvolvimento pleno do potencial de cada porto. Isso inclui não onerar um porto competitivo ou restringir seu desenvolvimento com subsídios a portos nacionais e internacionais que podem tornar-se seus competidores. Na esperada e imprescindível descentralização do sistema portuário, é provável que o Governo Federal mantenha seu status de "land lord". Nessa condição, caberá ao Governo Federal, bem como aos demais níveis de governo, investir em melhorias na cadeia logística. Já às concessionárias, caso esse seja o modelo adotado, caberá investir no aprimoramento das instalações portuárias e na atração de novos usuários, também com o aporte de recursos governamentais. O Governo Federal, enquanto "land lord", pode estabelecer e cobrar metas dos gestores portuários, mas sem impedir que elas sejam superadas pelo dinamismo e criatividade que se espera da iniciativa privada. Manterá, sem dúvida a direção do sistema portuário nacional, porém, deverá compartilhar suas definições com os demais entes, públicos e privados. No entanto, qualquer que seja o modelo da gestão adotado, é imprescindível que os governos criem e mantenham um ambiente de segurança jurídica e estabilidade econômica, de forma a atrair investidores e reduzir riscos de judicialização de processos. Em suma "manter as rédeas", mas não tolher o desenvolvimento de potenciais.