Seria uma injustiça rotular Carlos Eduardo Bueno Magano por uma única função. Muito pior seria destacar somente um de seus diversos feitos e conquistas. O fato é que o engenheiro, nascido em São Paulo, possui um extenso currículo de prestação de serviços à comunidade portuária.
Atuando no Porto de Santos desde 1981, ele já exerceu diversas atividades, participando, inclusive, da concepção da Lei nº 8.630, a Lei de Modernização dos Portos. Sua formação abrange o título de Mestre em Engenharia Civil e Especialista em Gerenciamento de Portos pela Universidade de Antuérpia.
Atualmente, Magano é o gestor de logística da Cosan, um dos maiores terminais exportadores de açúcar do mundo, e se desligou da presidência do Sindicato dos Operadores Portuários do Estado de São Paulo (Sopesp), após 8 anos na principal cadeira da entidade.
Pelo fato de agir como profissional atuante e dedicado, além de priorizar o aumento da produtividade do trabalho portuário, Magano foi o escolhido pelo saite PortoGente como a Personalidade do Ano de 2005. O prêmio foi entregue nesta terça-feira, dia 17, em solenidade realizada na Pinacoteca Benedicto Calixto, em Santos.
É um reconhecimento da comunidade por seu espírito humanista e precursor. “Não basta suprir as necessidades, é preciso prevê-las para consolidar o desenvolvimento do Porto”. A declaração, que deixa transparecer a valorização de melhores condições de trabalho para todos ligados à atividade portuária, foi concedida em entrevista exclusiva à reportagem do PortoGente.
PortoGente: Como foi o seu primeiro contato com o Porto?
Carlos Eduardo Bueno Magano: Eu sou formado em Engenharia Civil na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo – Poli-USP. Lá cursei a cadeira obrigatória de Portos e Vias Navegáveis. Após me casar, já com algum conhecimento do assunto devido a essa disciplina, surgiu a oportunidade de me mudar para Santos e atuar na área de pesquisa operacional da antiga CDS (Companhia Docas de Santos), a atual Codesp.
PortoGente: Quais funções você exerceu na Codesp e quais os principais aprendizados relativos ao seu trabalho na Companhia?
Magano: Após entrar no setor de operações, cujo diretor era o atual presidente da Codesp, José Carlos Mello Rego, passei por diversos cargos. O interessante é que eu cheguei na Companhia em um momento de transformação, de transição, já que o Governo Federal estava para assumir a administração. Após a reestruturação, fui trabalhar no Departamento de Planejamento e Operações, ficando lá até o início da década de 90. Fui remanejado para o Departamento Comercial, criado pelo Paulo Peltier. Nessa área, criamos um plano de marketing que foi precursor no estudo de mercado potencial do Porto de Santos. Posteriormente, fui deslocado para ser assessor do secretário de transportes no Ministério da Infra-Estrutura em Brasília, retornando para Santos, a mando do secretário quando foi criada a Gerência de Planejamento Estratégico, que tratava de arrendamentos e tarifas de vários portos espalhados pelo Brasil. Finalmente, fui designado Diretor da Área Administrativa da Codesp, que se deu em uma gestão muito interessante, já que foi essa diretoria que desenvolveu os Proaps (Programa de Arrendamento e Parcerias do Porto de Santos) – responsável pelos processos licitatórios. Saí da Codesp em 1996.
PortoGente – Você participou da concepção da Lei nº 8.630, a Lei de Modernização dos Portos. Do que foi planejado, o que você acredita que foi cumprido?
Magano – Do que foi imaginado, praticamente tudo foi realizado. Na época, tínhamos grandes restrições políticas ao comércio porque não havia um mecanismo de operação no cais. A política de arrendamentos e concessões, formulada na Lei, permitiu que o comércio fosse facilitado, ao invés de ser uma restrição, como antes. Essa facilitação ao comércio foi um dos principais pontos da Lei e hoje posso dizer que foi um objetivo totalmente realizado. Claro que, olhando para trás, é possível enxergar alguns pontos que poderiam ser melhor concebidos e aproveitados. Um objetivo que só consegui realizar como presidente do Sopesp, muito tempo depois, foi a reformulação dos métodos de trabalho via convenção coletiva, algo que na época da concepção da Lei parecia impossível. O processo de reengenharia de atuação culminou com êxito em uma Convenção Coletiva de Trabalho. O último sindicato que resistiu com alguma persistência, o da estiva, acabou entrando em acordo, assim como todas as outras partes.
PortoGente – Resumindo a Lei em seus principais pontos, o que você poderia dizer que não saiu como planejado?
Magano – Na Lei há três pontos importantes e fundamentais. O primeiro trata da questão da cessão de áreas e da criação de um processo de investimento contínuo no Porto. Esse objetivo posso dizer que foi totalmente realizado. O segundo ponto diz respeito à mão-de-obra. O intuito era o de retirar a responsabilidade do trabalho das mãos do Governo e transferi-lo para a relação empregado-empregador. Isso somente se consolidou com as convenções coletivas de trabalho. O último ponto, no qual ainda reside uma lacuna e não foi totalmente realizado, é a parte do planejamento do desenvolvimento dos portos para o futuro. Essa questão não está bem consolidada como desejávamos. O problema reside na questão de que é preciso prever as necessidades, não basta supri-las quando aparecem. Somente assim será possível obter melhorias constantes e consolidar o desenvolvimento portuário.
PortoGente – Já que é necessário prever as necessidade e o que virá pela frente, como você pensa o Porto de Santos para o futuro?
Magano – Pensando em um futuro sólido, o ideal seria criar um mecanismo para desenvolver um plano diretor planejado de forma conjunta, beneficiando todos os envolvidos. O Porto é uma ferramenta de desenvolvimento social. Cria oportunidade de empregos e de riquezas. É essencial planejar e maximizar a criação dessas riquezas para gerar oportunidades para as novas gerações. O mais importante, no cenário atual, é um movimento para elaborar um plano diretor bem pensado, já que não possuímos um plano estruturado e sensato. A comunidade portuária precisa se unir em torno de tal objetivo. Além disso, criar um plano dessa magnitude sem afetar o meio ambiente é uma arte na qual devemos colocar nossas melhores cabeças, sempre olhando com vistas ao futuro.
PortoGente – Na sua visão, o Porto deve servir a Cidade ou é a Cidade que tem de servir o Porto?
Magano – Um complexo portuário causa mais e melhores benefícios nos locais em que a zona de influência da atividade portuária é ampla. Quanto ao Porto de Santos, os benefícios não devem ser restritos à Baixada. É preciso estendê-los a todas as comunidades que têm relação com o Porto como, por exemplo, todo o Estado de São Paulo, os estados de Mato Grosso do Sul e de Minas Gerais e até o Paraguai. É essencial fomentar uma distribuição equânime de riquezas. A transferência de riquezas, atualmente, é desequilibrada. Só se deve cobrar pela prestação de serviços, e não pela posição vantajosa que a cidade ocupa, exigindo pedágios e desequilibrando toda a distribuição de riquezas.
PortoGente – O fato de muitos dos principais terminais operadores ligados ao Porto de Santos terem sede no interior e em outros locais fora da Baixada não é prejudicial para a região.
Magano – Não. Porque se a vocação de Santos for a vocação de uma cidade eminentemente prestadora de serviços, Santos está muito bem. Agora, se ao invés disso a Cidade optar por cobrar pedágio desprovido de serviço, então não só a região como todo país vai se dar mal. A Lei nº 8.630 teve como ponto positivo auxiliar na extinção do monopólio de mão-de-obra. Antes havia muitos ganhos desacompanhados de prestação de serviços, muita gente fazia acumulação de riqueza através disso. No entanto, criando mecanismos de competição, o monopólio foi derrubado, gerando mais comércio e mais movimentação. A competição gera equilíbrio social.
PortoGente – Como membro do Conselho de Autoridade Portuária (CAP) por um longo período de tempo, o que você pode dizer sobre a ação da entidade na administração do conflito de interesses entre os participantes?
Magano – Eu participei do CAP em três posições bem distintas: como usuário, como operador e como autoridade portuária. Creio que o Conselho é um organismo muito positivo para comunidade. O CAP agrega interesses bastante diferentes. A relação entre o tomador de serviços – exportadores e importadores – e o operador é uma relação conflituosa. A relação entre o operador e o trabalhador também é conflituosa. E a relação entre Governo e os demais atores portuários é ainda mais conflituosa. Portanto, colocando todos juntos no Conselho, é gerada a busca por uma mentalidade única. O CAP não tem poder executivo, mas possui um grande poder moral e político, fazendo com que os participantes cheguem a um consenso, de uma forma ou de outra, sobre os vários temas que preocupam e afligem a comunidade portuária. O CAP é um dos pontos mais positivos gerados pela Lei de Modernização dos Portos, sem dúvida, pelo fato de ter institucionalizado discussões importantes.
PortoGente – Você é a favor da regionalização do Porto de Santos?
Magano – O CAP já foi concebido em um esforço de regionalizar as decisões que envolvem a comunidade portuária. Antigamente, as decisões de planejamento eram tomadas somente pelo Governo, muitas vezes totalmente isoladas da comunidade. Com a instituição do CAP, a reunião de interesses tão discrepantes fez surgir a necessidade de se chegar a um consenso regional e concreto. O melhor tipo de decisão, mesmo que não englobe as melhores decisões, é aquele que é tomado pelas pessoas que atuam efetivamente e que se manifestam. O processo de regionalização, então, foi instaurado, também, pela Lei nº 8.630. E tudo o que é criado no sentido de fazer com que a comunidade portuária participe do processo é muito bem-vindo. A regionalização focando os interesses magnos do Porto é muito positiva. No entanto, a regionalização não pode atender somente aos interesses da Baixada, mas sim buscar um consenso entre a hinterlândia do Porto e o próprio porto. Como instrumento de poder, a regionalização é um fator muito positivo. Espero que venha a ocorrer dessa forma. Quanto mais autônomas e descentralizadas forem as decisões, melhor para todos.