Quando se fala em Porto de Santos logo pula em nossas cabeças sinônimos como tradição, histórias, dramas e muitas alegrias. Para alguns estivadores mais experientes, o porto significa uma parte da vida, ou ela por inteiro. Isso contrasta com o ambiente presenciado no último dia de inscrições para uma das 400 vagas no cadastro da estiva organizado pelo Órgão Gestor de Mão-de-Obra (Ogmo).
Para começar, o local das inscrições não lembrava em nada o clima portuário que todos os santistas pensam existir. O campus Dom Idílio da Universidade Católica de Santos foi palco não só do registro de cerca de 4.300 cadastros, mas também de curiosidades, problemas familiares e esperanças de muitas famílias.
Enquanto a fila aumentava, o desempregado José Henrique da Silva Filho, 39 anos, lamentava ter que esperar tanto tempo para tentar conseguir uma vaga. Mas o tempo serviu também para que ele revelasse seu desconhecimento sobre peculiaridades do porto. “Nunca trabalhei em nada ligado ao cais, não sei direito como funciona, mas sei que estou desempregado e não agüento mais fazer bicos”.
Morador em Vicente de Carvalho, ele confessa não ter mais expectativas de emprego no litoral de São Paulo. “Vou me mudar se esse porto não me der oportunidade de trabalhar. Só quero uma chance, para alimentar minha família”. Assim como ele, muitos estavam na fila de inscrições não só pela sua situação de dividas e dificuldades econômicas, mas também pela idéia de garantir o sustento dos filhos.
Esse foi o pensamento de Denis Aguiar de Souza, 20 anos. Criar três filhos e ajudar sua esposa são tarefas complicadas para qualquer um, ainda mais para um jovem que nem ele. Mas Denis vê no porto uma salvação, uma esperança que deve ser agarrada com unhas e dentes. “Seria ideal trabalhar no porto, com esse processo de modernização e tudo, o dinheiro deve entrar mais fácil”.
Mas a história de Augusto Paiva Salvador, 54 anos, chama atenção pela dramaticidade. Como reza a velha expressão de que “o brasileiro deixa tudo para a última hora”, seu Augusto saiu do distante bairro do Humaitá, em São Vicente, às 4h30 para tentar agilizar os documentos de inscrição... de seu filho!
“Sempre trabalhei com hidráulica, não sei lá muita coisa sobre o porto. Mas estou aqui, não tenho outra alternativa. Emprego é emprego, em qualquer lugar que tem vagas, lá estou eu, ou meu filho, ou nós dois. No porto eu não tenho como carregar sacos, por isso meu filho é que correr atrás”, explica ele, que se diz especialista em hidráulica e elétrica.
Seu filho Cléber Florêncio Salvador, de apenas 18 anos, não tem idéia do que seja o trabalho no cais, não sabe quantas horas por dia irá trabalhar, tampouco tem noção da história do Porto de Santos. Ele só quer ajudar seus pais a construir uma casa melhor e mais aconchegante, tendo o porto como caminho disso.
Mas um senhor de cabelos brancos, extremamente tímido era o retrato dos desencontros de histórias que se via no local. Enquanto, ao fundo, um jovem gritava com sua mãe pelo telefone – por ela ter esquecido de retirar seu histórico escolar –, Gilson Pereira dos Santos, 52 anos, não perdia a tranqüilidade ao admitir que será muito difícil conseguir um emprego.
“Sei que sou um senhor, com cabelos brancos e que não agüentaria u serviço desse porte. Mas com minha escolaridade, espero conseguir algo melhor, não custa tentar, né?”. Tímido, ele não quis ser fotografado, agradecendo a oportunidade, no entanto, de poder prestar esse concurso. “Antes isso aqui era um clube fechado, ainda bem que está mudando. Sempre trabalhei como mecânico, mas preciso disso aqui para garantir uma renda segura para minha família”.
Os trabalhadores passarão por uma prova escrita, no dia 20, onde os conhecimentos de português e matemática serão avaliados. Depois, nos dias 27 e 11 de dezembro, haverá prova prática que será decisiva na escolha dos profissionais. E no final, os melhores serão escolhidos para trabalhar com açúcar ensacado em substituição aos 400 profissionais contratados no ano passado após o Ministério Público ter anulado o concurso realizado na ocasião, por suspeita de fraude.