Terça, 19 Março 2024

Fábio Genti
Advogado Maritimista
Contato: http://bit.ly/DrGentil

Em um momento em que caminhamos tão fortemente em direção ao uso de Conhecimentos de Embarque (B/L) exclusivamente eletrônicos por meio de Blockchain, causa espanto que muitos armadores ainda exijam a apresentação de vias originais aos seus representantes locais, como se fazia quando ainda havia a necessidade de obter o número do CE nas agências marítimas para que somente então o AFRMM pudesse ser pago.

Mas não fosse apenas a exigência ultrapassada, já que há muito tempo o CE passou a ser disponibilizado online, há armadores que vão além e condicionam o desbloqueio do Mercante à apresentação dos B/Ls, o que nos leva à motivação desse artigo.

Em casos normais, em que os B/Ls se encontram em posse do consignatário, o procedimento (ilegal como veremos adiante) não causa maiores problemas.

Porém, em caso de extravio dos BLs ou indisponibilidade por qualquer outro motivo, a situação é completamente diferente, já que nestes casos a ilegalidade da exigência gera efeitos práticos imediatos, impedindo a entrega das mercadorias.

A Instrução Normativa RFB n. 800/07 assim determina: "Art. 40. É facultado ao armador determinar a retenção da mercadoria em recinto alfandegado, até a liquidação do frete devido ou o pagamento da contribuição por avaria grossa declarada, no exercício do direito previsto no art. 7º do Decreto-Lei no 116, de 25 de janeiro de 1967."

Como se observa, apenas em caso de dívida de frete (daquele embarque específico) ou de contribuição de avaria grossa (também daquele mesmo embarque em particular) é que o armador se reveste no direito de reter as mercadorias (o que faz por meio de bloqueio do CE Mercante).

Mas com qual fundamento então alguns armadores insistem em bloquear a entrega das mercadorias por falta de apresentação dos B/Ls originais?

Em geral, temos ouvido que estes armadores têm receio de que possam ser responsabilizados por eventual entrega das mercadorias a quem não tenha direito sobre elas. Costumam se basear no Art. 750 do Código Civil Brasileiro, que assim diz: "A responsabilidade do transportador, limitada ao valor constante do conhecimento, começa no momento em que ele, ou seus prepostos, recebem a coisa; termina quando é entregue ao destinatário, ou depositada em juízo, se aquele não for encontrado."

A preocupação do armador é louvável e compreensível, mas falta dar um passo adiante na interpretação da Lei. O artigo diz que a responsabilidade do armador sobre a coisa "termina quando é entregue ao destinatário". Evidentemente, para compreender o artigo 750, é preciso entender o que é "entrega", porque ela define um marco temporal essencial.

Bem, o mesmo Decreto-Lei nº 116/67, que autoriza a retenção de mercadorias (e teve seu conceito incorporado pela IN RFB nº 800/007), determina em seu Artigo 3º que: "A responsabilidade do navio ou embarcação transportadora começa com o recebimento da mercadoria a bordo, e cessa com a sua entrega à entidade portuária ou trapiche municipal, no pôrto de destino, ao costado do navio." (sic)

Aliás, esse artigo é muito empregado pelos próprios armadores quando discutem casos de Claims (acréscimos, faltas e avarias), visando definir o momento a partir do qual o ônus pela guarda das mercadorias passa a ser do terminal. Alegam que feita a entrega ao terminal (confirmada pela Presença de Carga), sua responsabilidade pelas mercadorias cessaria, e de fato isso faz sentido. O que não faz sentido, como o leitor já deve ter concluído, é que para um fim o armador se considere responsável até o descarregamento, e para outro, até a entrega efetiva ao consignatário.

Interessante observar que agindo dessa forma o armador atrai para si uma responsabilidade adicional que não seria sua, pois se ele mesmo se diz detentor da obrigação de controlar a entrega das mercadorias ao legítimo proprietário, qualquer dano ou extravio havido mesmo após a descarga seriam de sua responsabilidade. Não nos parece que este seja o objetivo dos armadores, e a legislação orienta exatamente em outro sentido.

A obrigação de entrega de mercadorias é do terminal alfandegado, e é a ele que os Conhecimentos Originais devem ser apresentados para retirada de mercadorias, como esclarece o Art. 54, IV, da IN RFB n. 680/06:

"Art. 54. Para retirar as mercadorias do recinto alfandegado, o importador deverá apresentar ao depositário os seguintes documentos:

(...)

IV - via original do conhecimento de carga, ou de documento equivalente, conforme previsto no art. 754 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil; (...)"

Importante avaliarmos ainda os casos em que há Conhecimento de Embarque House. Nesses casos, o Conhecimento de Embarque Master deixa de ser "Único" e passa a ser "Genérico", conforme nomenclatura atribuída pela Instrução Normativa RFB nº 800/07.

Havendo B/L House, é ele que exerce a função de título de crédito capaz de transferir a propriedade das mercadorias, e não o Conhecimento Master. No momento em que se realiza a vinculação entre Master e House, é este último que passa a ser exigido pelo terminal para entrega das mercadorias.

Nesse tipo de arranjo, portanto, se torna ainda mais descabido apresentar Conhecimentos de Embarque ao armador para que ele desbloqueie o CE Mercante.

Seguindo uma outra vertente, há quem diga que o desbloqueio do CE Mercante traduziria, ainda que implicitamente, em anuência do armador para entrega das mercadorias, o que justificaria o ato extremo de cautela de se exigir os B/Ls como condição para desbloqueio do CE Mercante, mesmo ao arrepio da Lei.

Novamente, porém, essa análise é superficial e deixa de considerar aspectos fundamentais ligados à entrega de mercadorias importadas. Não se pode esquecer que a liberação de mercadorias é ato exclusivo da Secretaria da Receita Federal do Brasil, suportada pelos anuentes que eventualmente opinem sobre aquela operação; e que tal procedimento (Desembaraço Aduaneiro) requer a apresentação de ampla documentação comprovando, entre outros, a propriedade das mercadorias.

Assim, temos que a suposta e implícita "autorização de entrega" decorrente do desbloqueio do CE Mercante nada mais é do que uma confirmação de que não há débitos de frete ou contribuição de avaria grossa para aquele embarque, não implicando em qualquer opinião ou interferência no tocante à propriedade das cargas.

Em outras palavras, ao desbloquear o CE Mercante o armador apenas confirma que no âmbito do contrato de transporte não há pendências, sem interferir no contrato internacional de compra e venda, e muito menos no procedimento de liberação das mercadorias.

Neste artigo não estamos tratando das hipóteses em que havendo extravio o consignatário solicite a emissão de novo set de B/Ls, mas apenas tratamos do bloqueio do CE Mercante. Porém, ainda que fosse o caso de emissão de novos títulos, o bloqueio do CE Mercante seria indevido, desde já adianto.

Feitas estas considerações, e havendo bloqueio do CE por falta de apresentação de B/Ls, o consignatário terá que buscar o desbloqueio por meio de ordem judicial, ficando ressalvado que o período de bloqueio indevido deverá ser descontado do free time Demurrage e o armador deverá arcar com custos de armazenagem e outras despesas e danos por ele causados

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