Quarta, 27 Novembro 2024

Trazemos mais uma contribuição ao importante processo de debate de qual regime portuário o Brasil precisa em termos de desenvolvimento, sustentabilidade e respeito a todos os segmentos envolvidos, inclusive as populações das cidades

Portogente tem a satisfação de trazer ao distinto público a voz de um dos maiores especialistas em política portuária do País, o capixaba Luiz Fernando Barbosa Santos. Ele foi presidente do Sindicato dos Conferentes de Carga do Espírito Santo, na década de 1990, e atuou em diversas frentes na área dos portos e em defesa dos trabalhadores. Hoje, como advogado, é sócio do Escritório Gomes & Santos Advogados Associados, que atua com direito regulatório no setor portuário.

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Na verdade, o especialista não nos deu uma entrevista, nos ofereceu uma aula séria e responsável de quem tem o desenvolvimento do País e o bem-estar da sociedade em primeiro lugar.

Considerando a reforma portuária que o governo federal diz pretender fazer, como a adoção de um novo modelo de administração portuária mais produtiva, em portos de operações privatizadas. Como o senhor avalia o modelo landlord port?
Luiz Fernando Barbosa - Vejo o modelo landlord como o mais adequado, tendo em vista o caráter estratégico dos terrenos situados à beira-mar e com profundidade adequada à implantação de infraestrutura portuária, cabendo ao Estado o provimento da infraestrutura e ao setor privado a superestrutura. Embora tenha uma visão particular acerca das questões de produtividade, estas não são inteiramente vinculadas a questões de gestão pública ou privadas, mas e, principalmente, quanto às inúmeras legislações que tolhem a administração pública, tornando-as mais lentas nas respostas às dinâmicas dos transportes.

A privatização das operações portuárias é uma realidade desde 1993. O Banco Mundial recomenda o modelo landlord e não a administração privada.
Como afirmado, a infraestrutura deveria ser papel exclusivo do Estado e, no caso em debate, quanto às infraestruturas de acesso aquaviário aos portos públicos, também se inserem no papel do Estado de dotar de infraestrutura econômica. Dissociar a exploração dos portos públicos do acesso aquaviário a estes, seria introduzir outro ator econômico e, consequentemente, mais custos à exploração destes, pois envolveria custo de amortização e remuneração do capital de outro ente, além de riscos à exploração no caso de conflitos entre dois concessionários.

Outro aspecto é a complexidade administrativa para a homologação, junto à Autoridade Marítima, das obras executadas nos canais de acesso. O correto, em minha visão, até por razões de segurança da navegação e da segurança econômica, que o Estado fosse o único responsável pela acessibilidade náutica aos portos públicos. Portanto, sou contrário a uma segmentação dos diversos serviços portuários através de várias concessões que, fatalmente, levará a um aumento dos custos dos portos públicos e, consequentemente, de sua competitividade.

E o papel dos conselhos de autoridade portuária (CAPs)?
Defendo seu papel trino: deliberativo-normativo-consultivo, conforme cada tema. Em uns, normativo, noutro deliberativo e, nos mais estratégicos, o papel consultivo, ante a tridimensionalidade do seu valor, na dimensão econômica, social e ambiental.

O porto, ante a sua enorme importância para o desenvolvimento local-regional, precisa ter um espaço de diálogo com a comunidade portuária sendo que esta exerceria também um papel de controle social sobre a atividade portuária. Outro aspecto decorrente deste debate é o alegado risco de captura do CAP pelos agentes econômicos e sociais. Sobre este tema, o Estado tem inúmeros instrumentos legais e institucionais que minimizam ou até impedem a ocorrência deste risco. Portanto, sou totalmente favorável a um papel mais ativo dos CAPs no processo de administração dos portos.

editado LuizFernandoBarbosaSantosA Lei 8.630/93 foi concebida depois de um amplo debate com empresários, governos e representações sindicais de trabalhadores. É um caminho que deve ser adotado hoje também sobre a questão?
Tenho o entendimento de ser decorrente da tridimensionalidade do valor do porto, ou seja, na sua dimensão econômica, social e ambiental e que toda e qualquer alteração na legislação dos portos, quanto nas demais infraestruturas de transportes, seja aeroporto, rodovia ou ferrovia, deveriam ter um amplo debate com a sociedade civil organizada, não somente com as representações dos trabalhadores, mas também com as comunidades impactadas por essas infraestruturas. O tema do planejamento territorial e setorial destas infraestruturas deveria ser mais coligado, por não termos mais espaço para uma administração pública centralizada e autoritária em tempos democráticos, reafirmo, que na maioria das vezes, não enxerga o papel constitucional dos demais entes subnacionais, apegando-se ao mantra de que cabe à União legislar sobre portos, não fazendo uma interpretação sistemática da Constituição Federal.

E qual foi a sua participação à época?
À época da tramitação, era presidente do Sindicato dos Conferentes de Carga do Espírito Santo e, juntamente, com os demais sindicatos dos trabalhadores nos portos brasileiros, coordenados pelas federações, atuamos ativamente no Congresso Nacional como grupo de pressão em reação ao Projeto de Lei 08/91. Tínhamos uma leitura muito clara das repercussões da nova Constituição de 1988 para as relações econômico-sociais que, inclusive, redefiniu o papel dos sindicatos; da regulamentação das infraestruturas e, também, estávamos muito cientes do processo de restauração do liberalismo econômico no mundo. Assim, o ambiente político-econômico girava e, ainda gira, nas discussões em torno do papel do Estado nas infraestruturas de transportes; do esgotamento dos recursos orçamentários para investimento e, consequentemente, na melhoria da produtividade e, finalmente, no então processo de globalização que iria obrigar os países a desregulamentarem os seus setores de transportes.

Neste cenário, tivemos que nos adequar rapidamente a um ambiente em que não haveria mais legislação protetiva dos trabalhadores, mesmo com todo um enorme esforço de convencimento junto aos parlamentares do Congresso Nacional, cuja saída foi convencê-los que o processo de negociação coletiva seria mais democrático e menos traumático a normatizar as relações trabalhistas nos portos através de convenções/acordos coletivos do trabalho, num ambiente altamente desfavorável aos trabalhadores, associado a um cenário de rápida modificação tecnológica com a conteinerização e acompanhada da automação das atividades portuárias. Portanto, foi uma fase que se iniciou nos anos 1990, com uma trégua nos governos Lula/Dilma e, agora, muito mais agressivo para os trabalhadores nos portos.

Como analisa o anúncio do governo da privatização do maior porto do País e da América Latina, o de Santos, além dos de São Sebastião e Vitória?
Vejo com certo ceticismo essa politica do Estado sair da gestão portuária, principalmente, sob o argumento de que a gestão pública é ineficiente, sem adentrar profundamente nas suas causas.

Temos toda uma legislação que amarra a gestão pública sob o argumento desta não se desviar do interesse público, ou seja, num viés preventivo. Sob tantos controles, é lógico que toda e qualquer ação do gestor público fica condicionado a uma miríade legislativa que dificulta uma gestão que dê rápida resposta a um ambiente econômico em constante mutação.

Estamos um momento de grandes incertezas do comércio global. Uma desta é o de como será o comércio global pós-pandemia? Haverá uma repatriação das indústrias no mundo, visando mitigar os efeitos da quebra das cadeias globais de suprimentos? Quais serão os impactos do conflito comercial EUA-China? Como será o comércio mundial num ambiente de outra Organização Mundial do Comércio, remodelada num mundo polarizado entre as duas superpotências comerciais? Como decorrência destas questões, qual será a participação do Brasil neste novo cenário do comércio global?

Todas essas questões estão em aberto e irão impactar decisões de investimentos em infraestruturas portuárias no médio e longo prazo. Muitos portos, notadamente terminais de uso privado, foram concretizados num cenário econômico que poderá não se manter no pós-pandemia ou pós-conflito EUA-China.

Nestes tempos de pandemia, passou despercebida a estratégia do Japão que criou um fundo bilionário para incentivar companhias locais, que possuem fábricas fora daquele país, a voltarem a produzir no país. Ou seja, um processo que se for replicado pelas maiores economias do mundo irá impactar profundamente o comércio mundial. Portanto, há a necessidade de um maior debate sobre os impactos desta política portuária no âmbito regional-local.

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