Uma ação popular movida pelo engenheiro José Manoel Ferreira Gonçalves questiona a licitação da Ferrovia Norte-Sul, que está marcada para 28 de março e tem sido considerada a primeira grande ação de impacto entre as concessões à iniciativa privada do governo Bolsonaro.
O edital tem lance mínimo de R$ 1,3 bilhão e refere-se ao trecho entre Estrela d'Oeste (SP) a Porto Nacional (TO). A ação se baseia em parecer do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), que aponta favorecimento à VLI, empresa de logística da mineradora Vale.
"Se concretizado dessa forma, esse leilão será o primeiro grande escândalo econômico do governo Bolsonaro", afirma José Manoel, que é presidente da FerroFrente (Frente Nacional pela volta das Ferrovias).
"Estranhamos inicialmente um valor de outorga reduzido em um trecho que já recebeu R$ 16 bilhões de investimento público", explica ele. "Porém, o principal problema é que o edital, da forma como foi elaborado, privilegia as empresas que já exploram as atuais concessões de ferrovias no Brasil. Seria interessante que a equipe do novo governo pudesse avaliar com mais cuidado as futuras concessões, antes de se decidir pelo atual modelo", completa.
Recentemente, o Tribunal de Contas da União (TCU) examinou o processo de concessão desse trecho da Norte-Sul e concluiu que não há justificativa para manter o atual modelo monopolista de exploração da ferrovia, sem o livre acesso de outros operadores ferroviários e sem previsão de tráfego de passageiros.
A Ferrovia Norte-Sul é uma das principais linhas de integração do país, explica o consultor e ex-diretor geral da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) Bernardo Figueiredo. O objetivo é que, num futuro próximo, ela ligue Belém ao porto de Rio Grande, no extremo Sul. Todos os estudos apontam para um enorme potencial desse trecho. "É uma ferrovia estratégica, fundamental para um projeto nacional de ferrovias, diante do volume de carga e passageiros que ela poderá transportar em um regime aberto, com a permissão para circulação de todos os tipos de trens", explica Bernardo.
Na sua opinião, a modelagem proposta para a concessão representa um risco para investidores que não sejam os atuais concessionários de ferrovias no país. "Não estão definidas as regras para a circulação de trens nas malhas vizinhas, nem o prazo de manutenção do direito de passagem, o que faz com que a concessão seja atrativa apenas para as duas empresas que já operam nos extremos da Norte-Sul", completa o consultor. Um sinal dessa condição de direcionamento é o pouco interesse do investidor estrangeiro pelo edital, que, inclusive, não tem versão em inglês.
"Essa concessão da Norte-Sul consolida o monopólio e não garante a interoperabilidade entre concessões, ou seja, a livre circulação de todos os trens nesse trecho da malha ferroviária. A concorrência é salutar, inclusive para diminuir a possibilidade de corrupção", avalia José Manoel.
"É altamente recomendável que a equipe do governo Bolsonaro avalie com mais cuidado esse edital e outros de ferrovias que não atendam ao interesse público, do contrário passaremos as próximas décadas lamentando que o modal ferroviário não seja melhor aproveitado como transporte no Brasil", finaliza.