Durante audiência pública promovida pela Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT) para discutir a possível extensão do prazo de vigência do contrato de concessão da Estrada de Ferro Carajás – administrada pela Vale –, o Ministério Público Federal (MPF) destacou que não é contra a prorrogação contratual em si, mas reiterou a necessidade de que seja comprovada, de maneira clara e transparente, a vantagem econômica e social dessa transação frente a uma nova licitação. O debate ocorreu na sede da ANTT, em Brasília, no último dia 17.
O procurador regional da República Luiz Augusto Santos Lima representou a Câmara de Consumidor e Ordem Econômica do MPF (3CCR) na reunião. Ao discursar, ele esclareceu que o objetivo do Ministério Público é não intervir no processo por meio de judicializações desnecessárias, ressalvando, contudo, que a instituição não deixará de agir em caso de irregularidades e violação de direitos. Nesse sentido, reforçou a necessidade de se garantir a ampla participação da sociedade – órgãos públicos, entidades não governamentais e comunidade local – nas deliberações que envolvem a concessão.
Em termos práticos, o procurador endossou questionamentos já apresentados pelo MPF à ANTT durante audiência pública realizada em São Luís (MA) no final de agosto e por meio de recomendação entregue à agência reguladora no último dia 5. Entre as medidas cobradas pela instituição, Lima enfatizou a necessidade de prorrogação, por 45 dias, do período para envio de contribuições da sociedade à agência, com ampla publicidade nos veículos de comunicação regionais. Frisou ainda a indicação para realização de nova audiência pública na capital maranhense, em razão do tumulto verificado no primeiro encontro, e da realização de audiências também nas cidades de Marabá (PA) ou Açailândia (MA). “Alongue-se mais alguns dias [a consulta pública] e dê oportunidade para que órgãos e membros da comunidade tenham possibilidade de efetivamente contribuir com esse processo”, ponderou.
Intervenção mínima
O representante do MPF ressaltou que não há, a princípio, qualquer oposição da instituição à prorrogação antecipada da concessão Estrada de Ferro de Carajás. O que o Ministério Público defende é que o processo aconteça de forma transparente e seja pautado, hegemonicamente, pelo interesse público. “Dizer que nós, a priori, somos contra a prorrogação do contrato é um absurdo. Apenas queremos que seja transparente essa vantajosidade, até para que possamos não agir”, afirmou.
Lima advertiu ainda para a delicadeza do momento histórico em que o processo de prorrogação antecipada dos contratos ferroviários está ocorrendo, pontuando que é preciso atuar de forma técnica para resguardar-se de futuras contestações, naturais nos processos de transição de governos. “Quanto ao mérito, à questão da vantajosidade, aqui foi posto com todas as letras: essa outorga é justa, não é justa, é negativa? As dúvidas são imensas, a três meses praticamente do final de um governo. Quem quer que seja o próximo governo vai contestar esse processo”, alertou.
Sob essa perspectiva, o procurador citou pontostécnicos controversos já apontados pelo MPF anteriormente, entre eles as premissas adotadas pela agência, que acabam por gerar um valor de outorga negativo no caso da Vale; o indicador escolhido para aferir o lucro operacional das concessionárias; e a definição da MRS Logística como empresa referência. “Isso significou a utilização da margem de lucro de 36%, muito deslocada da realidade das concessões públicas com prazo de 30 anos no Brasil”, esclareceu Lima, destacando que esses e outros aspectos são temas complexos que precisam ser debatidos e esclarecidos antes da conclusão do processo de prorrogação.
Ação Coordenada
Desde o ano passado, o MPF acompanha as movimentações do governo para permitir a prorrogação antecipada dos contratos de concessões ferroviárias de pelo menos cinco ferrovias federais: MRS Logística (MRS), Estrada de Ferro Carajás (EFC), Estrada de Ferro Vitória-Minas (EFVM), Ferrovia Centro-Atlântica (FCA) e ALL Malha Paulista (ALLMP). Patrocinada pela Câmara de Consumidor e Ordem Econômica do MPF (3CCR), a atuação nacionalvisa garantir a preservação do interesse público e o cumprimento da Constituição nos processos de renovação.
O órgão já enviou duas recomendações à ANTT, em julho de 2018 e em setembro de 2017. Entre as providências cobradas pelos procuradores estavam a demonstração concreta da vantagem da prorrogação antecipada frente à licitação; a preocupação com a integração da malha ferroviária nacional e a exigência de efetiva quitação prévia dos valores devidos pelos atuais concessionários. O MPF ressaltou ainda a necessidade de promoção de audiências públicas com prazos adequados e a submissão dos pleitos das concessionárias à análise conclusiva do Tribunal de Contas da União (TCU).
Em agosto, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, propôs ao Supremo Tribunal Federal ação direta de inconstitucionalidade contra a Lei 13.334/2016. Fruto de conversão da Medida Provisória 752/2016, a norma previu a possibilidade de prorrogação antecipada dos contratos de concessão ferroviária, mediante a realização de investimentos não previstos nos contratos originais e o atendimento de determinadas condições. Segundo a PGR, no entanto, a lei contém dispositivos que contrariam os princípios constitucionais da eficiência, da impessoalidade, da moralidade e da razoabilidade, além de violar a regra da licitação e comprometer a qualidade dos serviços oferecidos à sociedade. Além disso, a ADI afirma que os requisitos previstos na lei são insuficientes para assegurar a prestação de serviço adequado pelas concessionárias.
Secretaria de Comunicação Social da Procuradoria-Geral da República