Especial para o Portogente
Em entrevista ao Portogente, o senador Roberto Requião (MDB-PR) falou sobre a atual conjuntura do País: greve dos caminhoneiros, situação da Petrobrás e dos petroleiros, modelo de transporte, política, economia, entre outros assuntos. O parlamentar expôs sua perspectiva de modelo de desenvolvimento para dar uma guinada no Brasil. Para ele, o Brasil precisa recuperar sua capacidade de investimento em projetos de infraestrutura, melhorar suas ferrovias e incentivar o transporte de cabotagem. Requião avalia que o "combate à corrupção", mesmo sendo necessária, hoje serve como uma forma de desviar a atenção da sociedade brasileira aos projetos que estão entregando as riquezas do País ao capital internacional.
Para Requião, Brasil precisa voltar para as mãos dos brasileiros. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado.
Portogente - Como o senhor vê o Brasil a partir da tensão do movimento dos caminhoneiros e da atuação do governo federal na questão?
Roberto Requião - Quando iniciou a Operação Lava Jato a saudei dentro do Senado Federal, por ser uma iniciativa de combate à corrupção. Aos poucos percebi que ao lado disso havia um direcionamento a determinados políticos, e não digo que não tivessem envolvidos, mas era uma punição sistemática ao pessoal da esquerda. Quando os Estados Unidos grampeou a conversa da Dilma e do Lula, percebi que havia interesses geopolíticos por detrás. Isso se exacerba agora com a greve dos caminhoneiros. Concluo que o combate à corrupção deu cobertura a um processo de desnacionalização do Brasil. Foi dirigido para a queda de um governo que ainda resistia aos interesses do capital financeiro para instalar um governo que levasse ao fim de um estado nacional e soberano, especialmente o petróleo. A colocação de Pedro Parente na Petrobrás tinha o objetivo de acabar com a empresa, prova disso são os preços absurdos, quando sabemos que produzimos e refinamos petróleo suficiente para o País. Tentaram vender a BR Distribuidora, os gasodutos, eliminar a produção de adubos químicos, colocando em risco a agricultura do País. O que vivemos é um processo entreguista que vem sendo acobertado pela simulação do combate a corrupção.
Portogente - Voltando ao movimento iniciado no dia 19 de maio, qual o cenário que precipitou a paralisação dos caminhoneiros? Isso realmente foi pacificado? Como o senhor vê o País daqui para a frente diante do anúncio de que para dar a redução do diesel durante 60 dias terá de fazer cortes na área de educação e do SUS?
Requião – É uma guerra híbrida com a cooptação pelos grandes meios de comunicação comerciais televisivos e radiofônicos. Essa revolta da população foi provocada pelos erros da condução econômica do PT, capitaneada pela inteligência americana. É uma guerra híbrida semelhante ao que aconteceu na Líbia e na Ásia, que tem como fundamento o fim do projeto nacional. Também é consequência da teoria da dependência do FHC. Não mexem na tarifa da Petrobras, mas subsidiam com os recursos da saúde, educação e infraestrutura. Isso depois da aprovação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 55, que paralisa por 20 anos os investimentos no Brasil. Privatização, redução de impostos e fim do estado social. É a barbárie e a selvageria na condução do mundo globalizado.
Eles querem levar à globalização, com a eliminação dos estados sociais; a supremacia dos bancos centrais; a precarização dos parlamentos com o financiamento privado de campanha - acaba com a obediência ao partido -; a precarização do trabalho, com o fim da previdência pública e a reforma trabalhista. É a semi escravização do trabalho. O fim do estado soberano nacional
Portogente - E qual é a perspectiva para o próximo período? O governo tomou medidas antissociais para solucionar o problema.
Requião - O governo ficou bem mais fraco. Esse governo e essa proposta do imperialismo econômico de privatização, ampliação dos impostos, redução dos direitos e precarização das relações de trabalho não ganhará a eleição no Brasil. Isso me leva à conclusão de que a aposta deles é inviabilizar a eleição direta e para isso irão mobilizar o Lawfare (judiciário e Ministério Público agindo contra o progressismo e o estado soberano nacional) e eliminar candidatos progressistas do processo eleitoral. Se não conseguirem isso não tem eleição.
Portogente - O quanto a política de preços dos combustíveis, conduzida pelo ex-presidente Pedro Parente, da Petrobras, ajudou a criar essa instabilidade econômica e política, ao alinhá-los à flutuação internacional e à cotação do dólar? Vai mudar alguma coisa com a nova gestão?
Requião - A emenda será pior que o soneto. O Temer nomeou o Ivan (Monteiro) para continuar com o projeto da globalização de privatização e entrega das nossas riquezas. O Brasil, o celeiro do mundo, terá seu estado nacional destruído como toda a América Latina, assim como o liberalismo econômico destruiu a Europa. Isso é o entreguismo puro e simples, ao tirar do comando do País a produção e refino do petróleo. Aumentou de 41% para 80% a importação dos Estados Unidos. E tem mais: a Petrobrás quebrou? Não. Seu valor nunca caiu, mas sim o jogo de ações da empresa, o que vai render para o acionista, o que é totalmente equivocado.
Os Estados Unidos para enfrentarem a Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), Arábia Saudita, a Venezuela e o Brasil, pressionando os preços para baixo, de US$ 140 para US$ 30,00 o barril de petróleo e hoje está novamente a US$ 80,00, o que equilibra a empresa. Mas o projeto é viabilizar o lucro dos 36% de acionistas americanos, política do governo FHC (Fernando Henrique Cardoso). Vendeu o futuro para remunerar acionistas no presente. Mas a Petrobrás ainda é majoritariamente do povo brasileiro, pois o Estado detém 60% das ações. Não existe a quebra estrutural e financeira da Petrobrás, sua crise é induzida pela política de globalização e financeirização da economia, e do poder absoluto de um único grupo. O petróleo tem que ter preços brasileiros.
Portogente - Outra situação evidenciada pelo movimento dos transportadores foi como o Brasil depende dos caminhões para a movimentação de cargas em todo o território nacional. Isso nos remete, portanto, a uma questão sempre muito bem discutida pelo senhor que é a supremacia rodoviária na nossa matriz de transporte. Mostramos ao mundo que a nossa logística é um fracasso. Aí, a pergunta que não quer calar: por que o Brasil não investe em suas ferrovias, hidrovias e por que não cria intermodalidades eficientes? Por que falta planejamento logístico?
Requião - É um jogo claro do projeto de globalização. A opção do Brasil pelo transporte rodoviário veio de fora para dentro. Não há dúvida de que todo o transporte de massa, de minérios, commodities, minerais, deveria ser ferroviário, que é infinitamente mais barato. Nós temos que reestabelecer o transporte ferroviário e a navegação da cabotagem, que é a navegação costeira, que foi simplesmente eliminada no Brasil nos últimos anos. Estados Unidos e Inglaterra começaram assim. Num país como o nosso é evidente que as mercadorias produzidas no interior são consumidas por uma população litorânea e a cabotagem e a ferrovia são fundamentais.
Portogente - O senhor acredita que as infraestruturas ferroviárias disponíveis poderiam ser recuperadas (ainda que sucateadas) e modernizadas. Teriam compatibilidade técnica e tecnológica?
Requião - Não é impossível. É uma condição para um estado soberano. E é fácil recuperar, pois a tecnologia ferroviária é primária, acessíveis a qualquer país. A recuperação é primordial. Mas o que prevalece são os interesses das grandes montadoras que dominam o setor de cargas no Brasil. O caminhão leva o transporte de massas parceladamente, o que uma composição ferroviária com uma locomotiva potente levaria, fazemos com centenas de caminhões. Isso é uma irracionalidade. Investir na modificação da infraestrutura de transporte é fundamental ao País. Não precisamos abandonar o transporte rodoviário, mas o fundamental é a estrutura ferroviária reestabelecida. Isso é muito fácil, pois o Brasil pode enfrentar a crise de maneira excepcional, pois tem uma reserva de 375 a 400 bilhões de dólares. Nós podemos reestruturar o Brasil com políticas de investimento público. Num momento de recessão o capital privado não investe, mas especula financeiramente. É o investimento na infraestrutura que beneficia o País como um todo e reestabelece o círculo virtuoso do desenvolvimento.