Bruno Leonardo Barth Sobral é professor e doutor em Economia pela Unicamp
Não é possível dissociar essa intervenção (militar) na segurança do Regime de Recuperação Fiscal, os dois são imposições do governo federal travestidas de “acordo”. Afinal, não tivemos poder de barganha praticamente nenhum nos dois casos, apenas cumpre-se ordens passando por cima de nossa autonomia federativa.
Em ambos, prevalece a tese de crise moral e ineficiência administrativa. Por essa razão, após o apelo a “choque de austeridade” se apela agora a segunda fase do “choque de ordem”. As duas faces de uma mesma moeda. O “choque de ordem” não começou agora, já existia desde que criou-se uma prioridade de desembolsos para a pasta de segurança a despeito dos atrasos para as demais funções de Estado. Na ocasião, argumentei diversas vezes que o risco era do Rio se tornar um “Estado policial” onde poderia parar tudo menos a segurança.
Essa tática não deu certo porque o choque de austeridade foi tão duro que mesmo sendo priorizada a pasta de segurança sofreu um enfraquecimento considerável do ponto de vista de recursos para um planejamento e visão estratégica. Passou a prevalecer a lógica curto prazista que dá razão ao uso mais indiscriminado do poder bélico. Tática cruel pôs reduz o espaço de mediação com lideranças sociais no território e expõe o policial a maior risco (em particular, de vida) em operações improvisadas e que se exige resultados midiáticos.
Diante disso, duas vias poderiam ser cogitadas. Primeira via, aprofundar essa lógica belicista de “território em guerra”. Segunda, socorrer financeiramente o governo estadual junto a planejamento estruturado de políticas numa lógica desenvolvimentista de “territórios produtivos”. Na segunda via, ao invés de intervenção militar, se teria uma solução federativa via o fortalecimento de um fundo nacional de segurança pública junto de políticas indutoras sobre a economia estadual.
Optou-se para primeira via, aquela da lógica belicista de “território em guerra”. Ela se adequa bem a interpretação resumida à crise moral e ineficiência administrativa, dado que é um governo estadual que se aceita fraco e inoperante e que renuncia a função que foi escolhida como a principal. Parte da opinião pública que acredita em soluções de força salvacionista vão idealizar os desdobramentos diante das demonstrações ostensivas das armas do poder público.
Porém, prevalece a questão central: e a questão financeira? Mantendo-se o governo estadual na lona, servo dos interesses de credores de dívida e pulando de receita extraordinária em receita extraordinária sem capacidade orçamentária para qualquer ação estratégica. Diante disso, não idealizo que se fortalecerá nem mesmo a pasta de segurança pública sem uma solução que garanta o fortalecimento financeiro do governo estadual para restabelecer suas políticas.
O que o governo federal faz agora é mais um ataque ao princípio federativo para dobrar a aposta no choque de austeridade que ele nos impôs. Um governo estadual que já serviu para articular isso nos últimos anos agora cumpre seu último papel, após condenar a economia agora entrega o controle do território. Após o saque e expropriação, legitima-se um território que visto como em estado de guerra é fadado a ser improdutivo.
E pior, o modelo de ocupação sugerido é dos grandes eventos, ou seja, pensa-se em usar um conceito “fora do tempo”. Tenta se ocultar que um modelo dessa natureza só serve para uma excepcionalidade momentânea e para isolar em “bunker” alguns pontos da cidade com visibilidade internacional e as vias de acesso aos mesmos. Isso está longe de servir para uma tática corrente de dia-a-dia de patrulhamento e para atender a totalidade do território. Provavelmente, insistindo nisso vai se escolher pontos focais de vitrine e reproduzir a lógica de cerco ao resto do espaço.
O objetivo de usar o Rio de Janeiro de “vitrine” continua. Primeiro como anti-exemplo de desajuste fiscal para estimular as reformas conservadoras nacionais, agora também como anti-exemplo de desordem social para experimentar medidas de exceção num espaço militar sitiado. Fora esse efeito “vitrine”, só oferecem a promessa de remissão com a ideologia da austeridade.
Diante disso, ou superamos as limitações da tese de crise moral e ineficiência administrativa para uma olhar mais profundo para os problemas econômicos ou não entenderemos que ao invés de tanque e fuzil, o escudo do povo sofrido é sua carteira de trabalho. Inclusive para fortalecer a pasta de segurança esse olhar é preciso para ela se enxergar como composta de classe trabalhadora e voltarmos a ser todos sujeitos de nossa própria história como população fluminense. Só assim não vacilaremos em servir ainda mais a um governo federal que nos tira poder de gasto e recuperação socioeconômica.
Conclusão:
O tema de segurança vai se tornar o principal tema do processo eleitoral estadual. Cabe decidir se os candidatos vão escolher combinar com: austeridade fiscal máxima somada à lógica belicista de um território em guerra (logo, improdutivo), ou então solução federativa que fortaleça de recursos as funções da administração estadual somada à carteira de trabalho como escudo do povo (ou seja, políticas de emprego e da renda sob um território produtivo). A diferença entre as duas propostas é se vão reafirmar a vigilância e o controle sobre o “cativeiro social” ou buscar sua libertação.