Luiz Gonzaga Belluzzo é economista, professor, consultor editorial da revista Carta Capital
No Congresso do Partido Democrata, em 1936, o então presidente dos Estados Unidos, Franklin Delano Roosevelt, discursou sobre as ameaças da oligarquia financeira para a sociedade: “Era natural e talvez humano que os príncipes privilegiados dessa nova dinastia econômica, sedentos por poder, tentassem alcançar o controle do próprio governo. Eles criaram um novo despotismo e o embrulharam nos vestidos de sanções legais. Em seu serviço, novos mercenários procuraram regimentar o povo, seu trabalho e sua propriedade”.
O professor Mauricio Abdalla, da Universidade Federal do Espírito Santo, fez circular um artigo certeiro a respeito de quem manda e de quem obedece.
Escreve o professor:
“O foco do poder não está na política, mas na economia. Quem comanda a sociedade é o complexo financeiro-empresarial com dimensões globais e conformações específicas locais. Os donos do poder não são os políticos. Estes são apenas instrumentos dos verdadeiros donos do poder.
“O verdadeiro exercício do poder é invisível. O que vemos, na verdade, é a construção planejada de uma narrativa fantasiosa com aparência de realidade para criar a sensação de participação consciente e cidadã dos que se informam pelos meios de comunicação tradicionais.
Os grandes meios de comunicação não se constituem mais em órgãos de ‘imprensa’, ou seja, instituições autônomas cujo objeto é a notícia e que podem ser independentes ou, eventualmente, compradas ou cooptadas por interesses. Eles são, atualmente, grandes conglomerados econômicos que também compõem o complexo financeiro-empresarial que comanda o poder invisível. Portanto, participam do exercício invisível do poder utilizando seus recursos de formação de consciência e opinião.
Os donos do poder não apoiam partidos ou políticos específicos. Sua tática é apoiar quem lhes convém e destruir quem lhes estorva. Isso muda de acordo com a conjuntura. O exercício real do poder não tem partido e sua única ideologia é a supremacia do mercado e do lucro”.
Os dizeres e poderes dos senhores e fâmulos da finança não são, portanto, proclamados e exercidos tão somente nos gabinetes almofadados de Wall Street ou – orgulho nacional!!! – nas salas do Itaim Paulista. Os preceitos e as recomendações dos financistas invadiram as redações, surrupiaram a academia e capturaram o espírito protestante das religiões utilitaristas. A ética do enriquecimento pelo trabalho celebrada por Max Weber sucumbiu aos confortos do dinheiro que produz dinheiro.
Em estudo recente, o Instituto Roosevelt afirma que esse fenômeno caracteriza a economia global desde o início dos anos 1980. O trabalho aponta que os lucros no setor financeiro, que representavam menos de 10% do total dos lucros corporativos em 1950, cresceram para, aproximadamente, 30% em 2013. Em 1970, os cinco maiores bancos detinham 17% dos ativos bancários agregados, mas em 2010 passaram a deter 52% (Dallas Fed).
Nas últimas décadas, as ondas de fusões e aquisições elevaram o grau de centralização: os 25 maiores bancos do mundo tinham 28% dos ativos dos mil (1.000) maiores bancos em 1997; em 2009, mais de 45%. Dos 4 trilhões de dólares em transações diárias com moedas, 52% delas são realizadas pelos cinco maiores bancos.
No que tange aos bancos de investimento, os dez maiores concentram 53% das receitas. Baseados principalmente em seus clientes mais ricos, já que os 10% mais ricos geram 80% de suas receitas, os bancos se conglomeraram e se tornaram verdadeiros supermercados financeiros, capazes de oferecer todo tipo de serviço financeiro a pessoas físicas e jurídicas.
Em seu livro Tempo Comprado: A crise adiada do capitalismo democrático, o sociólogo e economista alemão Wolfgang Streeck expõe as dificuldades impostas nos dias de hoje aos governos democraticamente eleitos, escandalosamente submetidos aos ditames dos mercados financeiros e da mídia-empresa. Esse aprisionamento enseja a divulgação das banalidades negativas sobre o Estado de Bem-Estar Social: o cobrador de impostos, competidor com o setor privado nos mercados de dívida.
Ao comentar a crise financeira de 2008, o sociólogo e economista italiano Luciano Gallino aponta a impiedade dos mercados em condenar as vítimas:
“Por muito tempo, vocês viveram acima de seus meios, referindo-se à medicina gratuita, às pensões públicas excessivamente generosas, ensino gratuito ou financiado com taxas mínimas de inscrição”.
Essas tecnologias de governabilidade financista buscam criar nas pessoas um profundo sentimento de culpa, ao difundir a crença do ataque vampiresco dos menos favorecidos sobre o Orçamento do Estado.