Quinta, 21 Novembro 2024

Luiz Fernando de Paula é professor titular de Economia Política da FCE/UERJ e do IESP/UERJ

Não resta margem de dúvidas de que o 19º Congresso Nacional do Partido Comunista da China já é o fato mais importante do mundo neste ano de 2017. E talvez dos próximos anos. E, neste evento, os governantes chineses deixaram escapar um “segredo” nada trivial: o mundo está entrando em uma “nova era”, com a China candidatando-se a jogar todo seu peso para disputar os rumos deste momento histórico, inclusive “exportando seu modelo”; ou, segundo o próprio presidente chinês, Xi Jinping, “fornecendo opções completamente novas aos países e nações que desejam acelerar o seu desenvolvimento e, ao mesmo tempo, manter sua própria independência”.

Cabe, antes de mais nada, apontar algumas características do recente processo de catching up chinês. Em termos de crescimento do PIB, sua média, desde 1980, situa-se acima dos 9% ao ano. O PIB per capita passou os US$ 9.000 já em 2014, contra US$ 5.000 em 2005.

O país viu sua posição cambiar, de forma rápida, à “tripla condição” de potência comercial, industrial e financeira, combinando as seguintes iniciativas: 1) planificação do comércio exterior; 2) ampliação do escopo a um novo setor privado; 3) formação de um amplo e profundo sistema financeiro estatal (voltado ao financiamento de longo prazo); 4) instituição de mecanismos de controle sobre os fluxos externos de capitais 5) ciclos rápidos de substituição de importações 6) a formação, desde a segunda metade da década de 1990, de um poderoso capital produtivo estatal (crescentemente centralizado) sob a forma de 149 conglomerados empresariais estatais e 7) lançamento de grandes pacotes fiscais como reação à flutuação de demanda interna e/ou externa.

Ainda no campo da indicação de estudos e exploração do “modelo”, importante observar a existência de ondas de ciclos institucionais mediadoras não somente das políticas elencadas acima, mas principalmente do escopo de ação dos setores estatal e privado na economia.

Na China é perceptível que o avanço do setor privado (desde as reformas na agricultura no final da década de 1970) foi seguido por “estatização” em outro patamar. Essa elevação constante do papel do Estado ocorreu, por exemplo, pela via do surgimento de novos institutos de coordenação e socialização do investimento: com o controle do comércio exterior, passando pelos instrumentos cruciais do processo de acumulação (juros, câmbio, crédito e grande finança) até – com a completa integração entre sistema financeiro e os conglomerados empresariais estatais encetando a execução das grandes políticas de Estado – a inauguração de novas e superiores formas de planificação econômica.

Seguindo esta linha, segundo o presidente chinês. “(...) há que se aprimorar o sistema de administração dos diversos tipos de ativos estatais, (...) tornar os capitais estatais mais fortes, avançados e maiores (...)”. Neste sentido, o discurso de Xi Jinping oficializa a tendência recente, que vai se transformando em um atributo de destaque do modelo chinês, de a China consolidar uma economia centrada em grandes conglomerados estatais situadas nos setores produtivos e financeiros estratégicos.

Deste modo, fica claro que não se trata meramente de uma fase de transição, mas sim de colocar a planificação estatal (em associação com o setor privado) como um atributo permanente do “modelo” de desenvolvimento chinês.

Pode causar espécie aos menos avisados o impacto desta tendência crescente de “estatização” sobre a estrutura de propriedade chinesa. Trabalhos recentes (entre outros, ver B.Naughton, “Is China Socialist?”, Journal of Economic Perspectives, 2017) mostram a grande diferenciação entre a estrutura de propriedade chinesa em comparação com outras partes do mundo (grandes conglomerados estatais, empresas de capital misto, propriedade dividida por ações). Esse processo reflete-se diretamente em um aumento contínuo, desde a segunda metade da década de 1990, do controle governamental sobre os fluxos da renda nacional: de 13,5% do PIB em 1996 a 37,3% em 2015. Percebe-se, também, na queda do aumento da taxa de investimentos do setor privado (de 34,8% em 2011 para 2,8% em junho de 2016). No mesmo período os investimentos estatais cresceram de 15,2% para 23,5%.

Uma economia em processo de desenvolvimento cresce saltando de um desequilíbrio a outro, como nos ensinou Albert Hirschman, o que significa que os desafios anteriores não tendem à repetição mecânica. O mesmo raciocínio vale ao papel do Estado, que se altera sob determinação da mudança da realidade – interna e externa. Fica implícito na intervenção de Xi Jinping que a China tanto desafia quanto está sendo desafiada por uma “nova era” marcada pelo advento de novos paradigmas tecnológicos (Revolução 4.0) – e está procurando se preparar para isto!

É evidente que esta chamada “nova era” abre grandes possibilidades de “planificação econômica em massa” da economia (com o Big Data, por exemplo). Neste aspecto, os chineses – com instituições derivadas da antiga Gosplan soviética – saem à frente do resto do mundo.

De fato, são essas instituições de Estado (sob a liderança da State-Owned Assets Supervision and Administration Commission of the State Council – SASAC) responsáveis por colocar a China como parte do condomínio de países que lideram a atual onda de inovações.

Por fim, o “modelo chinês” que transparece nas palavras de Xi Jinping está transitando do paradigma do “acúmulo de duplicações do PIB” para questões mais relacionadas à distribuição de renda, como mostra a tendência recente de constituição de um Estado de bem-estar social no país. Não são poucos os programas em andamento, dentre eles o Sistema de Medicina Cooperativa cujo público-alvo são as massas de pessoas mais vulneráveis do país. O desafio aí está no desafio político de enfrentar, por exemplo, as agruras de um conflito distributivo nada trivial em um país com pelo menos três centenas de bilionários.

Desta análise, é possível concluir que o “modelo chinês” é algo que vai se distanciando – historicamente – de um modelo típico de “capitalismo de Estado”, e mais longe ainda de ser um “capitalismo liberal”. Estaríamos sendo impelidos em admitir o “socialismo de mercado” não mais como uma mera abstração, e já como uma nova formação econômico-social. Neste sentido, devemos escutar o conselho dado pelos chineses, repetido por Xi Jinping em seu discurso, de “(..) abrir a mente, buscar a verdade nos fatos (...)”.

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