José Ricardo Roriz Coelho, vice-presidente e diretor do Departamento de Competitividade e Tecnologia da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp)
O Brasil está em vias de promover avanços significativos na Lei do Bem (Lei nº 11.196/2005), que trata dos incentivos fiscais à inovação tecnológica. O momento não poderia ser mais adequado, considerando-se a premência de sairmos de umas das piores crises da história e o aprofundamento da desindustrialização do país.
A última Pesquisa de Inovação Tecnológica do IBGE (Pintec) mostra que a indústria de transformação é a principal responsável pelo investimento privado em pesquisa e desenvolvimento (P&D) do país. Sua participação, no entanto, diminuiu de 70% em 2011 para 66% em 2014, e pode ter piorado nos anos seguintes, o que reforça a importância do aprimoramento dos incentivos fiscais para que o país mantenha o perfil de investimento semelhante ao de países desenvolvidos. No Japão, Coreia, Alemanha e Estados Unidos, a indústria de transformação responde por respectivamente 88%, 88%, 86% e 69% do investimento em P&D.
Ainda que seja evidente a relação virtuosa entre indústria de transformação, P&D e crescimento econômico, o incentivo fiscal à P&D enfrenta muita resistência em órgãos do governo, pois muitos deles limitam-se a enxergar o custo e não se atentam aos benefícios de longo prazo.
Hoje, 27 dos 34 países-membros da OCDE dão tratamento tributário preferencial para os gastos em P&D. Em 2014, na Irlanda, França, Coreia, Canadá, Japão e Estados Unidos, os incentivos de âmbito federal tiveram participação no PIB de respectivamente 0,29%, 0,27%, 0,19%, 0,15%, 0,14%, e 0,07%. No Brasil, esse percentual foi de 0,03%. Outros países fortemente industrializados, como Alemanha e Itália, só não fazem parte da lista por não divulgarem essas estatísticas, assim como, o percentual dos EUA deve estar subestimado em razão de considerar apenas os incentivos federais.
E isso nos faz lembrar uma frase que se tornou popular entre economistas: “there is no free lunch” (“não existe almoço grátis”). Ela se encaixa perfeitamente nesse contexto, pois incentivo fiscal à P&D nada tem a ver com generosidade e benevolência.
Governos de todo o mundo reconhecem que estimular P&D e inovação nas empresas faz com que todo o país se beneficie da geração de mais conhecimento e de mais riqueza. No entanto, por diversos motivos, nem todos os agentes realizam esse investimento. No Brasil, por exemplo, destaca-se a hostilidade do nosso ambiente de negócios agravada pelo Custo Brasil e valorização cambial.
Para ajudar a corrigir essa “falha de mercado”, o incentivo fiscal é eficaz na medida em que diminui o risco e o custo do investimento, além de dar mais autonomia às empresas e agilidade no desenvolvimento dos projetos de inovação que, em geral, correm contra o tempo.
Além disso, ele permite que o mercado, em vez do governo, determine qual a melhor alocação dos recursos para P&D segundo setores e projetos. Se for bem desenhado, também pode diminuir os custos administrativos para as agências de fomento, o que parece adequado num contexto de ajuste fiscal.
Portanto, passados quase 12 anos desde a promulgação da Lei do Bem, o Brasil dá passos importantes no sentido de aprimorá-la. Essa iniciativa teve origem da reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), no dia 7 de março, e equipes ministeriais tem o prazo de 60 dias para apresentar uma nova versão.
A FIESP já entregou suas propostas ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. Dentre várias sugestões que fizemos, destaco algumas: estender os incentivos às empresas que apuram o imposto de renda pelo lucro presumido, e com isso torná-los acessível às empresas menores; aumentar de 60% para 100% o incentivo sobre as despesas com P&D; rever a contratação de P&D extramuros, o que pode estimular o segmento de startups; e permitir o aproveitamento dos benefícios em períodos posteriores, quando houver prejuízo ou exceder o valor do lucro real.
Sabemos que é um trabalho difícil, mas a FIESP seguirá insistente em garantir um aperfeiçoamento substancial nesse importante instrumento de apoio à inovação. Nossa expectativa é de que as medidas a serem anunciadas em breve sejam capazes de aumentar a atratividade do incentivo, ampliar o número de empresas beneficiadas, e trazer mais segurança jurídica no seu usufruto.
Não obstante esses avanços, é importante ter em mente que o aperfeiçoamento da Lei do Bem é uma condição necessária, porém não é suficiente, para aumentar o nível de investimento em P&D haja vista o processo de desindustrialização do país. Ter uma indústria forte é condição essencial para um Brasil rico e bem-sucedido.
A crise de 2008 deixou claro que os países com indústria de transformação sólida sofreram menos impactos, razão pela qual ganharam força as políticas de reindustrialização em várias partes do mundo. Programas como o “Make it in America” nos Estados Unidos e a meta da União Europeia de aumentar de 15% para 20% a participação da indústria no PIB até 2020 ilustram essa estratégia.
O Brasil não pode ficar na contramão dessa tendência, sob o risco de se distanciar das principais rotas de desenvolvimento tecnológico do mundo e das tecnologias de fronteira que estão sob o guarda-chuva de Manufatura Avançada ou Indústria 4.0.