Djamila Ribeiro é pesquisadora na área de Filosofia Política foi secretária-adjunta da Secretaria de Direitos Humanos da cidade de São Paulo
A cada um minuto, 24 pessoas são forçadas a abandonar suas casas, trabalhos, famílias e países para tentar sobreviver aos horrores e às perseguições relacionados à violação grave de direitos humanos por conflitos armados, questões de nacionalidade, raça, opinião política ou pertencimento a grupo social.
Essa é a realidade apresentada pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), publicada no relatório anual Tendências Globais (Global Trends).
Ainda segundo o relatório, “o Brasil é signatário dos principais tratados internacionais de direitos humanos e é parte da Convenção das Nações Unidas de 1951 sobre o Estatuto dos Refugiados e do seu Protocolo de 1967”.
O País promulgou, em julho de 1997, a sua lei de refúgio (nº 9.474/97), contemplando os principais instrumentos regionais e internacionais sobre o tema. A lei adota a definição ampliada de refugiado estabelecida na Declaração de Cartagena de 1984, que considera a “violação generalizada de direitos humanos” como uma das causas de reconhecimento da condição de refugiado.
Em maio de 2002, o País ratificou a Convenção das Nações Unidas de 1954 sobre o Estatuto dos Apátridas e, em outubro de 2007, iniciou seu processo de adesão à Convenção para Redução dos Casos de Apatridia, da ONU, de 1961.
Em São Paulo, na gestão de Fernando Haddad, foi criada uma coordenação de políticas para imigrantes dentro da Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania e desenvolvida uma PL de Políticas para Imigrantes. Porém, o ódio a esses grupos vem crescendo.
No dia 2 de maio, por exemplo, aconteceu uma Marcha Anti-Imigração na Avenida Paulista, em São Paulo, demostrando o quanto o discurso de ódio em relação a povos já marginalizados se acentua no País.
Na ocasião, imigrantes palestinos que se opuseram à marcha foram agredidos e detidos pela polícia. É inadmissível que as pessoas defendam a marcha anti-imigrante com o argumento de liberdade de expressão ou como se isso não culminasse, de fato, em violência.
Há uma grande diferença entre liberdade de expressão e discurso de ódio. Liberdade não é um direito absoluto. Como diz Judith Butler: “A linguagem opressora do discurso de ódio não é mera representação de uma ideia odiosa; ela é em si mesma uma conduta violenta, que visa submeter o outro, desconstruindo sua própria condição de sujeito, arrancando-o do seu contexto e colocando-o em outro onde paira a ameaça de uma violência real a ser cometida – uma verdadeira ameaça, por certo”.
Imigrantes haitianos e de países africanos, além de sofrerem com xenofobia, são vítimas de racismo frequentes no país do racismo cordial.
Com o objetivo de garantir oportunidades e cidadania para essas comunidades, um grupo de estudantes de Letras da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) criou o Memorial Digital do Refugiado (MemoRef), projeto que tem como objetivo realizar um conjunto de ações culturais, que resulta em um trabalho social humanizado.
O projeto é desenvolvido com aulas de língua e cultura brasileira, oficinas multiculturais e a elaboração do MemoRef. Também conta com atividades culturais que promovem a integração da universidade entre si e com os alunos refugiados.
São realizadas oficinas de grupos culturais oriundos da própria universidade que possuem relação com a cultura brasileira, como uma oficina de ritmos e outras ministradas pelos próprios alunos, como um ateliê da cultura árabe e de ritmos latinos.
Há também aulas gratuitas de língua portuguesa como meio principal de inserção social e cultural para os refugiados. Com a falta de ferramental específico para esse público, foi desenvolvido o “Recomeçar”, primeiro material didático que atenta para a situação do refugiado, disponível gratuitamente na internet e utilizado em outros projetos em todo o território brasileiro.
“A barreira linguística é o primeiro e principal obstáculo que refugiados encontram ao chegar ao Brasil. Sem o conhecimento linguístico, atividades cotidianas como pedir informação, fazer compras ou trabalhar tornam-se quase impossíveis. Assim, o acesso à língua não é um fim, mas o principal meio de inclusão na sociedade.
Além disso, ser refugiado é uma condição. Ninguém nasce sabendo ser refugiado. Ninguém está preparado para abandonar tudo e chegar em um país tendo total conhecimento das leis que o rege. Por isso o projeto é tão importante”, disseram os organizadores.