Thomaz Wood Jr é doutor em Administração de Empresas.
Crises latino-americanas costumavam seguir enredo similar, repetindo a história como farsa. Elas sempre contavam com atores conhecidos: militares nacionalistas e políticos populistas. Claques semiensaiadas e massas de manobra compunham o coro coadjuvante. Forças ocultas conhecidas, porém discretas, eventualmente conferiam mistério noir às tramas, de resto maçantes.
Os últimos golpes comprovaram a estafa de um dos atores: aquele fardado, que parece ter se cansado das estripulias. Alguns órfãos, endiabrados e descontrolados, candidataram-se a assumir o legado, não faltando destrambelhados a segui-los.
A novidade no picadeiro é a presença corporativa, representada por cavalheiros de postura altiva (porém abalada) e gravatas discretas (eventualmente abandonadas). Diante dos holofotes, parecem atuar contrariados, mal habituados que estão a palcos e enredos policialescos.
Quiçá até se espantem de ver seus atos editados e reembalados por uma mídia espetaculosa, ela própria vivendo aguda crise, sustentando-se em manchetes de efeito pirotécnico e textos de escassa análise, e a ver minguarem seus leitores, receitas e quadros.
O novo protagonismo corporativo não deve surpreender, pois o ator sempre esteve presente nos círculos de influência. Fazer negócios no Brasil sempre pressupôs ter boas relações com o chamado poder constituído. E não se trata de exclusividade tropical.
Tais relações podem variar em escopo e profundidade, da constituição de benéficas parcerias até o abuso de poder econômico, da busca transparente de legítima influência até a mais abjeta promiscuidade.
A relação entre poder público e poder corporativo é complexa e instável, pois compreende dois atores que atuam com lógicas distintas. O poder público opera sob lógica política, de busca do bem comum. Aqui e ali, sabe-se bem, desanda na caça desgovernada de vantagens corporativistas ou individuais. O poder corporativo funciona sob a égide da racionalidade instrumental, perseguindo lucros e servindo aos interesses de seus acionistas. É sabidamente uma besta a ser controlada.
O jogo não é para puros ou ingênuos. Países de maior maturidade institucional desenvolveram regras para manter suas empresas e seus quadros públicos em patamares toleráveis de volúpia pecuniária. Entretanto, é preciso cuidado para que o excesso de controle não tire o apetite das bestas. Porque sem apetite não há negócios, e sem negócios não há crescimento, consumo e emprego, coisas relevantes para o tal do capitalismo.
A história empresarial recente revela que muitas corporações, outrora desviantes, se emendaram, passando a se comportar de maneira quase civilizada. Aqueles mais otimistas creem que é questão de tempo: até mesmo os pistoleiros de Tombstone perceberam que a bandidagem não mais lhes convinha e limparam a cena, tornando-se (quase) respeitáveis homens de negócios.
Empresas são, primordialmente, sistemas para geração de valor, para os donos e acionistas, principalmente, e também para clientes, funcionários e a sociedade. Quanto mais elas gerarem valor, maiores chances terão de viver e prosperar.
Muitas delas transformam-se em máquinas verdadeiramente admiráveis, com quadros técnicos bem preparados, tecnologia de ponta e gestão moderna. Também desenvolvem uma cultura organizacional meritocrática, com forte ética do trabalho.
Algumas organizações convertem-se em organizações criminosas. Outras não chegam a tanto, mas realizam operações à margem das leis e dos bons costumes. Essas últimas operam de forma esquizofrênica, como se geridas por executivos inspirados pelo conhecido Dr. Jekyll.
Enquanto o médico persegue as melhores causas, o monstro lida com o lado sombrio. O médico tem conhecimento do monstro, sabe que sua existência é o preço do sucesso, ou da sobrevivência.
Aqui nos trópicos, algumas empresas vinham moralizando práticas e progressivamente evitando as regiões mais lúgubres do pântano. Haviam percebido os sinais das mudanças. Outras mantiveram o curso, descrentes das mudanças ou confiantes na impunidade.
Foram atiradas à arena. As lutas no picadeiro agora geram consequências trágicas para as próprias empresas, seus empregados, seus setores e para o País. E, como bem sabem os sobreviventes de estripulias anteriores, em briga de elefantes, quem mais sofre é a grama.