Segunda, 25 Novembro 2024

Fausto Nilo é compositor, arquiteto e poeta.

Ao final dos anos 1950 Belchior e eu nos conhecemos. Fortaleza tinha pouco mais de 200 mil habitantes e nós éramos colegas da segunda série ginasial do Liceu do Ceará. Ainda caminhávamos muito contra o vento pelas ruas num lugar com poucos carros e sem televisão. Belchior sabia latim, Baudelaire e muito da Bíblia. Eu sabia desenhar e tínhamos amigos que falavam de Sartre e Françoise Sagan.

Aos poucos descobrimos na cidade outros que pareciam conosco, embora diferentes, e formamos uma turma. Alguns deles já partiram e outros ainda estão aqui conosco. Eles gostavam de teatro, política, bar, clube de cinema, se metiam a ouvir jazz e se estimulavam bastante a partir de Glauber Rocha tirando leite das pedras.

Belchior, como eu, também viera de uma cidade interiorana para prosseguir os estudos na capital. Seguimos a trilha da própria vida local com seus limites buscando atividades de invenção. Éramos uma geração de formação híbrida, que misturava restos de nostalgia provinciana com utopias cosmopolitas, rádio, vida de rua, livros e sonhos de cinema. A curiosidade era alimentada por um esforço autodidata, e um humor de boa conversa que foi mantido em todo os nossos anos de convivência.

No início dos anos 1960 Belchior e eu nos separamos e só nos vimos uma vez, acidentalmente, no centro da Cidade, quando ele reapareceu como um noviço franciscano. O tempo veio a nos juntar depois, nos anos de chumbo. Belchior e eu nos reencontramos em 68, continuamos nossa mesma conversa, puxada agora por outra novidade: sua nova arte de fazer canções populares.

Meus amigos eram curiosos de tal forma que mesmo mergulhados em ambiente de grande precariedade de acesso ao conhecimento, eram brilhantes. Por isso decorreram todos aqueles anos de poesia num bar de beira de praia chamado “Anísio”, no bairro do Mucuripe, cenário dos grandes jangadeiros, das pinturas de Raimundo Cela, das fotos do mestre Antonio Albuquerque e de um belo delírio de Orson Welles.

Belchior chegou nessa praia cheio de canções inéditas juntando-se a Augusto Pontes, Petrúcio Maia, Brandão, Rodger, Tetty, Amelinha, Fagner, Ricardo Bezerra e Ednardo. Eu ainda não fazia nada de canção mas o vi fazer outras canções falando de outras coisas de uma outra maneira que nenhuma outra pessoa fazia. O resto da história ficou conhecido por todos.

Hoje Fortaleza tem 2,5 milhões de habitantes e me surpreendo com o tempo em que Bel nos deixou para permanecer em seu recente monastério. Infelizmente anteontem despertei com um telefonema que me dava a notícia de que meu amigo nunca mais voltaria a cantar conosco. O Bar do Anísio não existe mais e hoje há um luxuoso condomínio em seu lugar.

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