Luiz Gonzaga Belluzzo é economista e professor das Faculdades de Campinas (Facamp).
Em artigo no jornal Valor, o ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola detonou os “keynesianos de botequim”. Um velho amigo, frequentador dos inesquecíveis botequins da Pauliceia, desconfia que os saberes keynesianos de Loyola estão à altura de seus conhecimentos de botequins. Deixo a querela entre botequineiros e keynesianos para os últimos parágrafos da coluna.
Antes, vou apresentar minha visão das assim chamadas políticas keynesianas.
Keynes escreveu a Teoria Geral para explicar um momento de “ruptura de expectativas” – a Grande Depressão – e não a ocorrência de simples flutuações cíclicas da economia capitalista. Nas flutuações cíclicas, a contração do investimento e do consumo deprime a acumulação interna das empresas e a renda das famílias, suscitando problemas de endividamento e risco que podem ser resolvidos com mudanças suaves na política monetária e na velocidade e intensidade do gasto público.
Nas depressões, como a provocada pelo ajuste fiscal apoiado pelo senhor Loyola & Outros, ocorre o colapso dos critérios de avaliação da riqueza que vinham prevalecendo. As expectativas capitulam diante da incerteza e não é mais possível precificar os ativos. Os métodos habituais que permitem avaliar a relação entre o risco e o rendimento dos ativos sucumbem diante do medo do futuro.
A obscuridade total paralisa as decisões e nega os novos fluxos de gasto. Em tais circunstâncias, a tentativa de redução do endividamento e dos gastos de empresas e famílias em busca da liquidez e do reequilíbrio patrimonial é uma decisão “racional” do ponto de vista microeconômico, mas danosa para o conjunto da economia, pois leva necessariamente à ulterior deterioração dos balanços. É o paradoxo da “desalavancagem”.
A riqueza concentra-se, agora, na posse do dinheiro em si (ou de substitutos próximos, os títulos da dívida pública). Essa corrida privada para as formas imaginárias, mas socialmente necessárias, do valor e da riqueza vai afetar negativamente a valorização e a reprodução da verdadeira riqueza social, ou seja, a demanda de ativos reprodutivos e de trabalhadores.
Para Keynes, a estabilização do investimento e a regulação da finança – com o propósito de impedir as flutuações agudas da renda e do emprego – deveriam estar inscritas de forma permanente nas políticas do Estado. Recomendava a definição, por parte do governo, de um “orçamento de capital” destinado a amortecer as tendências à flutuação do investimento privado e coibir os abismos da preferência pela liquidez.
A proposta keynesiana de socialização do investimento está associada à eutanásia do rentier, a abolição do poder dos proprietários e administradores da riqueza líquida. A política bancária e de crédito deve ser administrada para neutralizar “o poder de opressão cumulativo do capitalista para explorar o valor de escassez do capital... enquanto podem haver razões intrínsecas para a escassez da terra, não as há para a escassez de capital”.
A propósito das políticas anticíclicas de curto prazo, Keynes fulmina, numa resposta a James Meade: “Você acentua demais a cura e muito pouco a prevenção. A flutuação de curto prazo no volume de gastos em obras públicas é uma forma grosseira de cura, provavelmente destinada ao insucesso”.
Essa forma grosseira é a versão do anti-keynesianismo que o senhor Loyola vai encontrar nos botequins frequentados por cobiçosos da finança e bonecos de ventríloquo do mercadismo. Empenhados, com suas arengas ineptas e interesseiras, em desconsiderar a ação cautelosa e inteligente da política econômica, lançaram a economia brasileira na depressão, ao recomendar um ajuste fiscal desastroso.
Saudades de Roberto Campos. Em maio de 1964, Campos refutou o aconselhamento do chefe da missão do FMI, Jorge del Canto, que sugeriu um tratamento de choque para combater a inflação. Ele respondeu: a inflação seria combatida de forma gradual para evitar o desemprego, a queda dos salários e a deterioração fiscal provocada pelo colapso da produção. E acrescentou: não vou abrir mão do investimento público. Mais informações no livro de Roberto Campos, Do Outro Lado da Cerca.
Nos anos 1950, a professora Joan Robinson profligou o keynesianismo “bastardo”, responsável pela divulgação de um Keynes caricatural, ideólogo dos déficits orçamentários e das políticas monetárias permissivas.
Esse straw man está a exibir sua figura grotesca nas páginas de alguns manuais de macroeconomia e ou nas cabeças dos especialistas em botequins que jamais frequentaram a obra de Keynes, aquela editada pela Royal Economic Society.