Helena Nader, professora titular de biologia molecular da Unifesp, é presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC); Luiz Davidovich, professor titular do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é presidente da Academia Brasileira de Ciências. Artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo, em 12/04/2017
Há 30 anos, uma semente de soja plantada no solo do Mato Grosso, se germinasse, não floresceria. Neste ano, o Estado produzirá 30 milhões de toneladas da oleaginosa. Na década de 1940, a produtividade média do plantio de soja no Brasil era de 700 kg por hectare; hoje, é de 3.000 kg/h, e há produtores que já conseguem extrair 8.000 kg/h. Milagre? Não, ciência e tecnologia.
Pesquisadores da Embrapa e de nossas universidades conseguiram fazer a soja, originária de regiões de clima temperado, produzir em abundância em regiões de baixas latitudes e clima quente. O Brasil é vice-líder na produção, com 108 milhões de toneladas. No mar, não foi diferente. A Petrobras ultrapassou a camada pré-sal e descobriu petróleo em profundidades jamais alcançadas.
Vidência? Não, ciência e tecnologia.
Cientistas e engenheiros do Centro de Pesquisas da Petrobras (Cenpes), somados a colegas de universidades brasileiras, são os primeiros artífices do sucesso da empresa em águas superprofundas e, portanto, protagonistas da autossuficiência brasileira no setor. Na década de 1940, o então tenente-coronel Casimiro Montenegro Filho dava os primeiros passos para a construção da indústria aeronáutica no país. O Brasil nem sequer fabricava bicicletas, mas já começava a esboçar a Embraer, hoje terceira maior fabricante de aviões do planeta.
Premonição? Não, ciência e tecnologia.
As raízes da Embraer estão no Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA) e no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), duas instituições baseadas no conhecimento idealizadas por Montenegro há mais de 70 anos. Histórias de sucesso como essas não se repetirão em nosso país: os recentes cortes no orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações terão como consequência o desmonte dessas atividades no país. O aperto do cinto orçamentário começou em 2014, aumentou em 2015 e se agravou em 2016. Em 2017, piorou ainda mais: nossa ciência será tratada a pão e água.
Os cortes anunciados pelo governo federal em 30 de março estabelecem o orçamento do ministério neste ano em R$ 3,275 bilhões para custeio e investimentos. Esse valor representa uma volta a 2005, quando o orçamento executado foi de R$ 3,249 bilhões. A diferença é que nesses 11 anos nosso sistema de ciência e tecnologia cresceu exponencialmente.
Em 2006 publicamos 33.498 artigos em periódicos científicos indexados; em 2015, foram 61.122, o que fez o Brasil subir duas posições no ranking mundial de produção científica, alcançando o 13º lugar. Em 2006, nossos cursos de doutorado tinham 46.572 alunos e titularam 9.366 deles. Em 2015, foi o dobro: 102.365 e 18.625, respectivamente.
Os programas de pós-graduação passaram de 2.266 para 3.828. Os grupos de pesquisa, em 2006, eram 21.024 e abrigavam 90.320 pessoas. Em 2016, passamos para 37.460 e 199.566, respectivamente. Essa evolução foi sustentada por um orçamento crescente. Em valores corrigidos pelo IPCA até 2016, o orçamento praticado no ano de 2005 foi de R$ 6,467 bilhões. O orçamento atual do ministério, após os cortes, corresponde a cerca de 50% desse valor, com o agravante de que agora estão inclusas as despesas do extinto Ministério das Comunicações.
Como pesquisa e desenvolvimento não se fazem com milagres, clarividências ou premonições, mas sim com investimentos constantes, a ciência brasileira caminha para a ruína. Teremos um país talvez com um ajuste fiscal perfeito, mas com um atraso econômico e social digno de uma república de bananas -exatamente o contrário dos países com economia moderna, baseada em ciência e tecnologia, como EUA, Alemanha, Reino Unido, Japão, Coreia do Sul e China.