Segunda, 25 Novembro 2024

Wilson Roberto Vieira Ferreira é mestre em Comunicação Contemporânea e jornalista.

A Terra é um disco plano e cercada por um muro de gelo que chamamos de Antártida. O Sol e a Lua são apenas discos luminosos que giram sobre o plano terrestre e os planetas não existem. São apenas estrelas firmadas em uma abóboda. E a NASA esconde tudo simulando viagens espaciais e fotos da curvatura terrestre. Acredite, essa teoria que cada vez mais ocupa espaço na Internet com textos e vídeos com um crescente número de seguidores. Mas teoria da Terra Plana não é nova na era moderna. É recorrente na História em momentos de crise política e econômica, como hoje. Por exemplo, teorias da Terra Oca e Plana foram adotadas pelo Nazismo para se opor à “ciência materialista” e injetar magia e misticismo na Política por meio de sociedades secretas como a Vril e Tule, antes da Segunda Guerra. A Ciência transforma-se em fundamentalismo religioso, expressão da polarização e intolerância política do momento. Mas os terraplanistas acertam em um ponto: toda cartografia é uma representação político-imaginária.

“Boa noite, senhoras e senhores... essa noite terei o privilégio de fazer uma estonteante revelação que mudará a maneira de compreender a natureza do Universo desde Newton e Einstein, uma descoberta que mudará radicalmente a percepção do tempo e do espaço, a verdade escondida por muito tempo pelo establishment da indústria militar e espacial: a Terra é... PLANA!”.

Essa era a abertura dos shows em 1984 do músico e produtor musical Thomas Dolby promovendo seu segundo álbum The Flat Earth. Com o seu “nerd sinthpop”, bem sucedido depois do sucesso de “She Blind Me With Science” do álbum anterior, Dolby abria os shows com essa parodia que procurava ridicularizar o criacionismo e as pseudociências.

Eram os anos 1980, tempos do triunfo do neoliberalismo da era Reagan-Thatcher. Época da retomada econômica dos EUA e da Inglaterra com as medidas neoliberais e da financeirização cujo maior ícone foram os jovens yuppies e o maquiavélico Gordon Geko no filme Wall Street. Tudo ia muito bem num confiante capitalismo que acreditava que a História tinha acabado na Razão. Restava parodiar no liquidificador da cultura pop tudo aquilo que era obscuro e anti-científico.

Mas tudo mudou: a guerra anti-terror e o derretimento dos blocos econômicos como a Zona do Euro trouxeram insegurança social, desemprego, crashs financeiros e a catástrofe humanitária dos refugiados.

Resultado: a ascensão da extrema-direita anti-imigração e anti-integração, fundamentalismo religiosos e o crescimento de uma percepção conspiratória de uma suposta ordem “politicamente correta”, uma bizarra conspiração gay-feminista-sionista-comunista que exigiria uma imediata intervenção militar ou mesmo a ação de milícias de “cidadãos de bem” armados.

Pensamento crítico cede ao ressentimento
Como nos ensina a História, nesses momentos o anti-intelectualismo, o irracionalismo e os fundamentalismos ganham força. Por trás de tudo isso, a desconfiança de que por muito tempo contaram somente mentiras para nós. O pensamento crítico cede lugar à fé cega e ao ressentimento.

A bizarra teoria da Terra Plana é um desses ao mesmo tempo curiosos e preocupantes fenômenos antropológicos. A paródia trash dos anos 1980 de Thomas Dolby foi substituída atualmente por um crescente números de adeptos fieis de uma visão do mundo que humanidade acreditou por muitos séculos. Até chegarem os filósofos e matemáticos gregos como Aristóteles e Eratóstones onde, através da lógica e trigonometria rudimentar, abriram o caminho para a comprovação da esfericidade terrestre.

Hoje, terraplanistas comprovam suas teorias da forma mais empírica possível: um homem que supostamente conseguir provar que a terra é plana com uma régua (sem comentários...); alguém que subiu num balão e, a 34 km de altura, não viu a curvatura terrestre (altitude insuficiente num planeta que possui 400.000 km de circunferência); os mapas de navegação são planos e não esféricos (o que ignora um simples princípio semiótico: o mapa nunca será o próprio território, é apenas uma representação) etc.

E a NASA é a agência que lidera a conspiração, divulgando fotos montadas sobre a curvatura do planeta e, principalmente, mantendo a farsa de que o homem pousou na Lua – na verdade, Lua e Sol são pequenos discos que giram sobre a superfície plana da Terra.

A recorrência da Terra Plana
A Terra Plana é uma recorrência histórica. Quando em 1925, na Alemanha e na Áustria, os carteiros entregaram uma carta a todos os cientistas e intelectuais avisando de que Hitler não só “limparia a política”, mas expulsaria a “falsa ciência” (e que eles deveriam escolher entre “estar conosco ou contra nós), surgiu o movimento de reação à “ciência sionista”, “burguesa” ou “materialista”. Uma nova Astronomia, Cosmologia e Física que demonstravam que a terra era oca (e que nós habitamos o interior iluminado por um “Sol interno”) e de que era plana, contida por uma abóboda da qual jamais sairíamos.

Os alemães seriam descendentes da raça-mãe da Atlântida e que recuperariam essa ascendência superiora através de uma guerra contra a conspiração das teorias científicas das raças inferiores – e os alemães recuperariam os antigos poderes que os homens somente atribuíam aos deuses.

Teorias pseudocientíficas e antigas concepções místicas alimentaram o nazismo em um momento de polarização política e catástrofe econômica com a hiperinflação e desemprego pós-guerra. Em momentos como esse, sempre o intelectualismo surge de forma franca. E na época, sociedades secretas como a Vril, A Loja Luminosa e a Tule se transformaram em seitas que misturavam Teosofia, magia neopagã com uma solenidade oriental e terminologia hindu – um vasto movimento de renascimento do mágico no interior da própria Política - leia PAUWELS, Louis e .BERGIER, Jacques. O Despertar dos Mágicos, Difel, 1990 e AMBELAIN, Eobert. Os Arcanos Negros do Histerismo, José Olympio, 1995.

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