Roberta Züge é membro do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS) e vice-presidente do Sindicato dos Médicos Veterinários do Paraná (Sindivet)
Nos últimos dias fomos inundados com as notícias impactantes dos problemas encontrados em carnes, identificados em algumas indústrias de alimentos no Brasil. Deflagrada a chamada operação “Carne Fraca”, que evidenciou esquemas de fraudes, adulterações e ações de corrupção e causou comoção na sociedade como um todo - afinal, alimentos são consumidos por qualquer indivíduo - descortinou um cenário nada agradável aos consumidores e ao próprio mercado produtor.
Passada a grande euforia e o impacto, o momento de reflexão se torna mais adequado. Após a leitura dos arquivos que rapidamente disponibilizados (5002951-83.2017.4.04.7000, disponível no portal https://eproc.jfpr.jus.br/eprocV2/), já pela manhã, podem-se identificar diversos envolvidos, que são conhecidos do agronegócio, especialmente do Paraná.
Um fato, possivelmente inegável, é que este episódio irá prejudicar a imagem na pecuária brasileira e causar desconfiança no consumidor. No entanto, refletindo, ficou claro que tudo está inerente ao comportamento estabelecido - levar a vantagem. Provavelmente, as ações começaram com um “vamos dar um jeitinho” e descambaram no crime. A empresa se achava a beneficiada. Hoje, com o impacto, eles devem repensar a “vantagem” que levaram.
Se por um lado a desconfiança do consumidor pode ser sobre o sistema de inspeção nacional, em outro vértice, fica claro que existe um exército muito maior de profissionais comprometidos em realizar corretamente suas atividades profissionais. Os casos descritos estão bem restritos a algumas empresas e regiões, representam uma porcentagem pequena, frente à grandiosidade que é a pecuária. No entanto, é um sinal bem claro que a corrupção ainda impera em alguns estratos. Por que não foi expurgado antes este núcleo de corrupção? Mesmo com evidências e denúncias, não houve ação? Bem, provavelmente, para isto, temos a interferência política.
No atual momento, o que deve ficar claro para a população é que não há real motivo de pânico. Dificilmente havia papelão nos embutidos, as transcrições para quem trabalha na área, fica claro que entrar com a embalagem secundária (de papelão) na chamada área limpa, algo proibido. O ácido ascórbico, conhecido como vitamina C, para ser cancerígeno tem que ser consumido em quantidades muito grandes, por um longo período. Mas fácil ter um carcinoma, por tomar suplemento, do que por comer carne. Outros crimes parecem mais severos como o reaproveitamento de alimentos fora do prazo de validade ou contaminados.
Mas, uma lição deve ser tomada. A corrupção é o atual câncer da nossa sociedade. Pactuar com ela, em qualquer âmbito, é deletéria, quer seja na “caixinha para o guarda”, para não tomar a multa cometida, no funcionário que enrola para não trabalhar, chegando aos absurdos cometidos pela organização criminosa, que foi criada para extorquir empresas e permitir crimes contra a saúde pública.
Precisamos de transparência nos processos de produção de alimentos. Programas que garantam a rastreabilidade, que permitam que consumidor possa "ver" o processo mesmo sem visitar o local. Acima de tudo, precisamos de responsabilidade e respeito em todos os elos.