Segunda, 25 Novembro 2024

Clemente Ganz Lúcio é sociólogo e diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese)

A ideia de reforma está associada ao investimento para melhorar algo existente desgastado pelo uso ou decorrente de um fato novo. O nascimento de um filho pode exigir a reforma da casa; a pintura do carro será necessária para eliminar a ferrugem na lataria; o sucesso pelo emagrecimento pode fazer com que se tenha que reduzir a cintura da calça. Reforma-se porque se quer melhorar algo e porque existe possibilidade de intervenção.

Mas como reformar uma relação entre pessoas? Vamos reformar o casamento? Que tal reformar a amizade? Vamos reformar a maneira como o time ataca! Queremos reformar a relação de trabalho?

As relações sociais se referem ao que acontece entre pessoas, unidas, reunidas ou divididas em torno de propósitos, cada um e todos com suas histórias, com expectativas em relação ao presente e ao futuro, com visão sobre si e sobre os outros, com interesses revelados ou ocultos, com emoções e sentimentos. A vida coletiva em sociedade é uma construção cultural, econômica e política, como resposta ao ódio e às guerras, enquanto ao longo de milhares de anos, aprendíamos a dominar a natureza, a produzir para satisfazer nossas necessidades básicas e gerar excedentes para a troca. Ao enfrentar as inúmeras mazelas do processo civilizatório, construímos a prática política como nossa inteligência coletiva para debater, enfrentar, negociar e construir acordos que colocam regras para permitir que sejamos livres e para que possamos viver em paz com os outros.

A prática política no tempo resultou na construção do Estado-nação, a identidade de um povo que vive no limite de um território, com determinadas regras que definem em conjunto e com soberania em relação a outros Estados-nação.

A ideia de reformar as relações trabalhistas se refere às mudanças das regras que as regem. Mas é preciso que esteja bem claro que serão as relações sociais de produção que serão impactadas, que há sujeitos com histórias, interesses e plenos de complexidade afetiva. Um atalho muito usado é abordar reformas sociais como se o outro fosse um objeto, um número, um empecilho ou simplesmente uma despesa. Esse atalho, quase sempre, conduz a desastres sociais, amplia os conflitos e gera mais insegurança.

A sociedade moderna é culminante de relações sociais que criaram enorme capacidade de produção material de bens e serviços e um incrível sistema de distribuição desigual desses resultados, sustentado por complexas regras que regem as relações sociais de produção e distribuição, a denominada legislação trabalhista.

A questão trabalhista trata, portanto, de regular as relações sociais de produção econômica e da distribuição dos seus resultados, por meio de diferentes sistemas de relações de trabalho. Neles se definem os processos pelos quais trabalhadores e empregadores – do setor privado e público, por meio de suas organizações de representação de interesse coletivo (sindicatos), se relacionarão (negociação) para estabelecer as regras (acordos) das relações laborais de produção de bens e serviços (jornada de trabalho, formas de contratação etc.) e da sua distribuição (salários, benefícios etc.). Trata-se, portanto, de definir como se constituem e que poderes terão os sujeitos coletivos de representação, de que maneira se relacionarão no tempo para definir a substância dos direitos e deveres.

A reforma do sistema de relações de trabalho exige profundo conhecimento do que já existe e do seu funcionamento, dos defeitos e virtudes que possui, da cultura e das práticas que criou. Para mudá-lo é fundamental enunciar de que maneira se quer produzir e distribuir a riqueza, declarar qual o tipo de desenvolvimento econômico, social, político, cultural, ambiental que se busca e de que maneira as mudanças no sistema de relações laborais favorecerão ao que se busca edificar. É fundamental que os sujeitos se ponham de acordo com todos esses propósitos para, com base nesses princípios, construir os fundamentos e os valores que orientarão a criação das regras que induzirão as novas práticas nas relações de trabalho.

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