Rafael Antunes Padilha é mestrando pelo Programa de Pós-Graduação Multidisciplinar em Culturas e Identidades Brasileiras pelo Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo
O ocorrido na sexta-feira passada durante o cerimonial do Prêmio Camões é sintomático dos tempos recentemente vividos. A consagração de Raduan Nassar, autor do magnífico livro Lavoura Arcaica, representa a elevação de um homem como contribuinte excepcional da nossa língua portuguesa. Porém as circunstâncias foram outras: uma atitude do mais baixo nível por parte de um ministro de governo, cuja obrigação primária deveria ser a de resguardar, alimentar e promover a cultura nacional.
A agressividade extravasada por Roberto Freire, indigno do seu título ministerial, foi a materialização da realidade, consumada pela ação autoritária de sua pessoa, de um governo que nada sabe e pouco valoriza. Para qualquer um ver, o vídeo que circula pelas redes sociais expõe o caráter antidemocrático do atual governo. Ao inverter a ordem das falas, Roberto Freire buscava o confronto.
Alguns anos atrás, me veio às mãos um texto do Prof. Antonio Candido sobre o papel humanitário da literatura e a capacidade radical da arte em modificar até mesmo a nossa mente. Neste texto, Candido demonstra em belas linhas, como a boa literatura promove transformações radicais e pode servir como ferramenta contra as injustiças sociais de uma determinada época. Freire e o governo que não são tolos em absoluto, temem as pequenas ilhas de indignação que ainda restam durante este período de desmonte do nosso Estado Nacional.
Raduan Nassar não poderia ter feito diferente. Figura reclusa, dedicou-se nos últimos anos à agricultura. Doou sua propriedade rural à Universidade Federal de São Carlos sob demandas importantes: o campus ali construído deveria fomentar a sustentabilidade, o papel da sociedade e alimentar a demanda por educação pública superior na região. Era a sua obrigação acusar as injustiças dos tempos, e isto independe da situação, pois o papel da literatura é evitar a paralisia. Raduan Nassar fez mais com seus simples gestos, com a sua obra literária e a sua vocação humanista do que qualquer bacharel ou o ministro jamais fizeram.
Cabe a indignação e a cobrança. Um Ministro de Estado deve estar à altura da sua função e cumprir com o dever que lhe cabe. Em uma premiação conjunta com o governo de Portugal, Roberto Freire demonstrou total falta de controle, e isto é simbólico. Como bem disse Antonio Candido:
“Uma sociedade justa pressupõe o respeito dos direitos humanos, e a fruição da arte e da literatura em todas as modalidades e em todos os níveis é um direito inalienável.” (1988).