Segunda, 25 Novembro 2024

Drauzio Varella é médico cancerologista, cientista e escritor. Dirigiu o serviço de Imunologia do Hospital do Câncer e foi um dos pioneiros no tratamento da aids no Brasil e do trabalho em prisões.

É muito chato. Você olha a cara da pessoa, sabe quem é, mas não lembra o nome de jeito nenhum.

O constrangimento se deve ao fato de que a área cerebral envolvida no reconhecimento de faces, é separada daquela responsável pelo arquivamento de nomes próprios.

Somos bons reconhecedores de fisionomias, porque essa habilidade foi essencial à sobrevivência. Das cavernas aos dias nas ruas de São Paulo, perceber se quem vem em nossa direção é amigo ou inimigo, valeu muito mais do que saber seu nome.

Essa necessidade foi tão premente que, na seleção natural de nossos ancestrais, levaram vantagem aqueles com uma área do cérebro especializada no reconhecimento de faces: o giro fusiforme.

No início dos anos 2000, o grupo de Kalanit Gril-Spector da Universidade Stanford observou que diversas partes do córtex visual (região responsável pelo controle da visão) das crianças se modificavam com a idade. Entre elas estava o giro fusiforme.

O desenvolvimento recente dos aparelhos de obtenção de imagens por ressonância magnética quantitativa (qMRI) tornou possível estimar o volume que as células ocupam em determinado tecido.

Por meio dessa tecnologia, o grupo de Stanford avaliou os volumes do giro fusiforme e de uma área situada a 2 cm de distância: o sulco colateral, envolvido na identificação de lugares e localizações.

Foram incluídos no estudo 22 crianças de 5 a 12 anos, e 25 adultos com 22 a 28 anos. O experimento consistiu em colocar os participantes para observar separadamente imagens de faces e de lugares, enquanto a ressonância calculava o volume de neurônios existentes em ambos os sulcos.

Não houve diferenças no volume de tecido existente no sulco colateral de crianças ou adultos, enquanto se detinham nas imagens de lugares. Ao contrário, ao olhar para as faces, a ressonância mostrou que os adultos tinham sulcos fusiformes com volume 12% maior do que as crianças, em média.

Para confirmar se o aumento de volume do sulco fusiforme nos adultos estaria associado à maior facilidade para identificar fisionomias, os participantes foram postos diante da tela de um computador que exibia fotografias de rostos em três ângulos diferentes. Em seguida, precisavam reconhecê-los num painel que mostrava rostos parecidos.

Aqueles com sulcos fusiformes mais volumosos eram mais eficientes no reconhecimento, de fato.

Como o número de neurônios pouco varia do nascimento à morte, a explicação para esse aumento de volume do sulco fusiforme estaria relacionada com o aumento do número das conexões através da quais os neurônios enviam sinais uns para os outros (sinapses). Na analogia dos autores: o número de árvores na floresta permaneceria o mesmo, mas os galhos se tornariam mais densos e complexos.

Recém-publicados na revista Science, esses achados surpreendem porque demonstram que essa região do cérebro continua a se desenvolver da infância à vida adulta, enquanto a apenas 2 cm de distância a área encarregada de identificar lugares permanece inalterada.

O reconhecimento imediato de rostos e expressões faciais permitiu que nossos ancestrais decidissem num relance se deviam correr, lutar ou aproximar-se, discernimento crucial à vida em comunidades sociais com maior número de indivíduos. Na infância, temos poucas fisionomias a conhecer, as pessoas que nos cercam são nossos pais, parentes e vizinhos. À medida que nos tornamos adultos, no entanto, o contato com gente estranha cresce exponencialmente e exige circuitos mais complexos de neurônios.

Comparado com outros tipos de informação visual, o reconhecimento de faces requer processamento mais elaborado, uma vez que elas, muitas vezes, diferem umas das outras em apenas alguns traços.

Decifrar os segredos das conexões no sulco fusiforme permitirá entender os casos de prosopagnosia congênita ou causada por pequenos derrames cerebrais que lesam os neurônios do sulco fusiformes.

Essas pessoas são incapazes de reconhecer parcial ou totalmente o rosto dos amigos, dos pais ou dos próprios filhos, mas mantém preservada a capacidade de memorizar seus nomes e demais características individuais. Cerca de 2% da população sofrem desse transtorno em algum grau.

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