Segunda, 25 Novembro 2024

José Carlos de Assis é economista, doutor em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba e autor de mais de 20 livros sobre economia política.

A agenda de demolição no Brasil do incipiente Estado de bem estar social assegurado pela Constituição de 88 e construção em seu lugar do Estado mínimo começou com Collor de Mello em 1990 através de um amplo programa de privatização, o qual, porém, se limitava a empresas estatais produtivas, como as do setor siderúrgico. Foi no Governo seguinte, de Fernando Henrique Cardoso, que a agenda deu um salto realmente ambicioso pois levou à privatização de amplos setores de serviços públicos e da estratégica Vale do Rio Doce. De fato, o Estado foi despojado também do setor de telecomunicações e de parte do setor elétrico.

Entretanto, ainda no Governo Fernando Henrique, um avanço privatista de caráter mais estratégico seria dado, continuando a atender a determinações do FMI, e agora afetando diretamente a Federação. Foi a privatização dos bancos comerciais dos Estados. Nesse caso, não apenas estes últimos foram privados de um instrumento de desenvolvimento, seus bancos comerciais, como foi necessário, dentro da ótica do Governo, que as dívidas públicas roladas a partir deles nos bancos privados fosse paga à vista, pelo valor de face, por intermédio do Governo Federal, mas relegada a um segundo pagamento pelos próprios Estados.

Não houve grandes privatizações nos governos Lula e Dilma. Não precisava. A agenda privatizante era atendida pela imposição aos Estados de uma dívida originalmente nula, cujo pagamento mensal ou anual era canalizado para a formação de superávit primário nas contas do Governo Central. Nesse caso não eram empresas estaduais que estão sendo privatizadas, mas os próprios orçamentos estaduais. Por incrível que seja, isso não pareceu suficiente a Henrique Meirelles e Michel Temer: diante da impossibilidade material de a maioria dos Estados pagarem pela dívida “nula”, querem a privatização completa dos serviços estaduais.

O caminho para isso foi ampliado pela infame Emenda 55/241, chamada PEC da Morte, que congela os orçamentos públicos por 20 anos. Estamos vendo, no caso da segurança pública, um exemplo concreto do que será nas próximas duas décadas os presídios estaduais e os setores públicos em geral se os investimentos públicos ficarem congelados, como quer a lei, e caso ela venha a prevalecer. É evidente que a situação dos presídios não resulta apenas de falta de dinheiro. Resulta também de uma política penitenciária deformada. Mas sacrificar o investimento em presídio também está na agenda do Estado mínimo.

Nesta quinta o Governo do Rio assina o acordo pelo qual vai garantir a suspensão do pagamento da dívida “nula” do Estado por três anos a troco de privatizar a empresa que é a joia da coroa do Rio, a Cedae. Carlos Lacerda e Getúlio Vargas, juntos - ambos, a despeito de diferenças políticas cruciais, baluartes na defesa do Estado e do serviço público -, devem estar revirando em seus túmulos. Nunca se avançou tanto na agenda de Estado mínimo. Sem falar na consagração absoluta dessa ideologia na forma da emenda 55/241, a chamada emenda da morte, que prevê o congelamento dos orçamentos públicos por 20 anos.

Privatizar a água: alguém poderia imaginar isso? Tornar um serviço público essencial fonte de lucro privado numa área de monopólio natural? Ou o setor privado vai construir uma outra Cedae para concorrer com a atual, a qual, por sinal, presta extraordinários serviços públicos ao Rio e parte da Região Metropolitana? Este Governo, que tem cometido crimes de lesa-pátria sucessivos na área da Petrobrás, também sendo privatizada em fatias, acumula mais este crime numa área ainda mais essencial que o petróleo, a água, que significa a vida. Acaso o povo do Rio elegeu Pezão para capitular aos desejos privatistas de Meirelles?

Por esses dias procurei reiteradamente o procurador geral do Estado do Rio e outras autoridades estaduais para lhes mostrar a necessidade de se aprovar, com o esforço comum dos Estados, uma Resolução do Senado Federal reconhecendo a nulidade da dívida dos Estados consolidada em 1997. Inútil. Por ignorância ou por desídia nenhuma autoridade estadual quer tocar nesse ponto com medo de irritar Meirelles e as possibilidades de ganhar algumas migalhas de reais da Fazenda. Espera-se que outros governadores não tenham a mesma atitude. E que o Senado, soberano nessa matéria, enfim se pronuncie a respeito.

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