Segunda, 25 Novembro 2024

Luciene Morais Batista é especializada em terapia comportamental e cognitiva pela PUC Minas.

Filho: “Mamãe, não é porque eu menti algumas vezes que eu sou um mentiroso, não é mesmo? ” Mãe: “Não filho, mentir algumas vezes não faz de você uma pessoa mentirosa, você tem razão.” Presenciei recentemente este diálogo e achei muito inteligente da parte do garoto que, já com cerca de seis anos de idade fazia tal questionamento. Digo isso porque ao não questionar ele poderia seguir pela vida dele acreditando na ideia de que ” Eu sou uma mentiroso” e isso certamente não o ajudaria em nada.

As rotulações são bastante utilizadas no processo de aprendizagem com a intenção positiva de ensinar a criança se o que ela fez foi algo “certo ou errado”. O problema, no entanto, surge pelo fato de os pais ou cuidadores correlacionarem o comportamento da criança com uma característica de sua personalidade, por exemplo, se uma criança mente e é chamada de mentirosa, se não organiza seus pertences e é chamada de desorganizada, se não oferece o doce ao colega e é chamada de egoísta, etc.

Em todos os exemplos de rotulações mencionados acima, nota-se que a intenção de quem rotula é a de que a criança aprenda o comportamento contrário, são estes: falar a verdade, organizar seus pertences, dividir o doce com o colega. Mas como bem diz o ditado popular: “de boas intenções o inferno está cheio”! Apesar da boa intenção tal atitude está longe de favorecer o desenvolvimento dos comportamentos desejados na criança, ao contrário, pode favorecer um processo de identificação dela com a característica rotulada e como efeito colateral minar sua autoestima.

É possível, por exemplo, que diante de repetidas rotulações descritas como “Você uma criança egoísta!” ela se desenvolva acreditando mesmo ser egoísta e que isso se refere a uma característica negativa da personalidade dela. Dentre algumas possibilidades, ela poderá aceitar e se identificar com o rótulo agindo de forma exageradamente egoísta, ou seja, sem se preocupar com os demais, o que não é bom. Mas, por outro lado, ela poderá também se engajar ao máximo para tentar se livrar deste rótulo, dedicando-se exageradamente aos outros e sendo negligente nos cuidados consigo mesma, o que também não é nada bom.

Matéria recente publicada em noticiários relataram a morte da jovem atriz chinesa, Xu Ting, de 26 anos, diagnosticada com um tipo de câncer. Xu ajudou a custear os estudos dos irmãos e a pagar as dívidas dos pais, porém se recusou a fazer tratamento de quimioterapia relatando que não se sentia bem em gastar dinheiro consigo mesma. É possível que Xu acreditava que gastar dinheiro com o próprio tratamento era sinal de egoísmo, provavelmente por ter aprendido de forma equivocada que dedicar cuidado a si é algo negativo.

É importante lembrar que rotular é apenas uma das formas de tentar fortalecer ou enfraquecer um determinado comportamento, todavia existem outras maneiras mais saudáveis de se fazer isso. Outro fator importantíssimo e que exige cautela refere-se aos critérios utilizados pelos próprios pais ou cuidadores ao categorizarem os comportamentos das crianças como: bom ou ruim, certo ou errado, feio ou bonito. Cabe ressaltar que todo comportamento tem sua razão de acontecer e entender essa a razão, ao invés de categorizá-lo, é o que de fato poderá propiciar intervenções mais acertadas e menos prejudiciais.

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