Emir Sader é sociólogo e cientista político. Artigo publicado originalmente na Rede Brasil Atual
Entre as tantas modificações regressivas contidas na contrarreforma da Previdência que o governo golpista tenta fazer aprovar pelo Congresso, uma das mais significativas é igualar o tempo de aposentadoria entre homens e mulheres. Uma conquista histórica das mulheres, dadas as outras jornadas que ela desenvolve na vida cotidiana, está ameaçada pelas brutalidades que o governo golpista tenta impor.
Em uma discussão recente com um economista neoliberal, ele se valia da divulgação de dados sobre a diferença de expectativa de vida entre homens e mulheres no Brasil, para apontar para a ideia de que as mulheres deveriam se aposentar mais tarde que os homens, porque vivem mais tempo.
Um ministro de Temer, para tentar justificar a medida proposta pelo governo, alegava que os homens vão menos ao médico porque trabalham mais e não têm tempo. Como se fossem os homens que ficam grávidos, dão a luz, amamentam, cozinham, cuidam da casa e dos filhos.
Tudo para tentar descaracterizar a realidade cotidiana, em que a mulher cumpre duas ou três jornadas, contando o trabalho diário, o cuidado com os filhos e o companheiro, a atenção da casa, entre outras funções que as mulheres assumem concretamente.
Estatísticas publicadas agora revelam que "na média mundial, as mulheres trabalham 39 dias a mais por ano que os homens". Isto é, em 10 anos elas terão trabalhado mais do que um ano a mais que os homens, em 20 anos mais do que dois, em 30 mais do que três, em quarenta mais do que quatro. Ganhando sempre pelo menos 20% a menos. Se se leva em conta o trabalho remunerado e o não remunerado – isto é, as outras jornadas que a mulher tem –, elas trabalham 50 minutos a mais por dia do que os homens.
No campo a diferença é ainda maior, com as mulheres levantando por volta das 4 da manhã para preparar todas as tarefas da casa, para os filhos e os animais, antes de sair para trabalhar. Nas últimas décadas, aumentou exponencialmente o número de famílias em que a cabeça de casa é a mulher, simplesmente pelo abandono do lar pelo pai. A mãe assume ainda mais funções, dividindo-as frequentemente com a filha mais velha, que cuida dos irmãos menores, enquanto a mãe trabalha fora de casa em jornada completa.
A proposta da Previdência do governo é assim, antes de tudo, uma medida contra as mulheres, enquanto trabalhadoras e como donas de casa, como mães. Aumenta mais ainda para as mulheres – e ainda mais para as trabalhadoras rurais – as dificuldades para se aposentar e diminui o montante que receberão, se chegarem a se aposentar.