Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político, diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap)
O impedimento da ex-presidente Dilma Rousseff não significou apenas uma mudança de titular na chefia do Poder Executivo, mas uma mudança de paradigma na relação entre o Estado e o mercado.
Os poderes e os recursos do Estado, que antes eram majoritariamente destinados para combater desigualdades, proteger os mais necessitados e promover programas de inclusão social, se voltam agora para garantir o direito de propriedade, contratos, honrar os compromissos com os credores e contratar serviços no setor privado.
Esse novo padrão de relações pressupõe uma série de reformas e mudanças nos marcos legais, com o objetivo de rever o papel de Estado de bem-estar social, especialmente no campo da Seguridade Social, que consome uma parcela significativa da despesa do Estado, até pelo fato de ser o principal responsável pela paz social no País.
Na perspectiva dos novos governantes, o desmonte ou o esvaziamento da Seguridade Social é uma condição indispensável para a geração de superávit primário, considerada a única fonte capaz de garantir os recursos necessários ao cumprimento dos compromissos com os créditos da dívida mobiliária federal.
As iniciativas legislativas do novo governo, no âmbito constitucional, têm exatamente o propósito de atingir os três pilares da Seguridade Social: Saúde, Previdência e Assistência Social.
Tratam-se das PECs 55/16, do novo regime fiscal, já aprovada conclusivamente pelo Congresso, e 287/16, da reforma da Previdência, que aguarda votação na Câmara e no Senado. A primeira desvincula as despesas com saúde de um percentual da receita corrente líquida da União, e a segunda amplia as exigências para acesso aos benefícios previdenciários e assistenciais.
No caso específico da reforma da Previdência, as principais mudanças consistem na instituição da idade mínima em 65 anos, na equiparação de requisitos de idade e tempo de contribuição entre homens e mulheres e entre trabalhadores urbanos e rurais, na alteração no cálculo das aposentadorias e pensões, no fim da acumulação de aposentadorias, de pensões ou destas com aquelas, e na extinção de aposentadorias especiais.
Em relação aos benefícios assistenciais, única fonte de renda dos mais necessitados (inválidos e idosos) com um salário mínimo, a PEC chega a ser perversa, porque aumenta a idade mínima para ter acesso a esse benefício de 65 para 70 anos, sem transição, e desvincula o valor desse benefício do salário mínimo, achatando drasticamente o seu poder de compra.
Na agenda governamental, segundo o receituário fixado na chamada “Ponte para o Futuro”, além das reformas liberalizantes (privatizações, concessões etc.) e fiscais (corte de gasto público), farão parte a reforma trabalhista, especialmente a terceirização em atividade-fim, a pejotização e a prevalência do negociado sobre o legislado.
As mudanças propostas conflitam, claramente, com o princípio da vedação do retrocesso social, que ocorre quando mudanças legais restringem ou reduzem o acesso a direitos ou diminuem o valor de um benefício de natureza social, como são a Saúde, a Previdência e a Assistência Social.
O Congresso Nacional, que foi eleito ainda sob a égide do financiamento empresarial de campanha, tem dado respaldo a essa agenda de retrocesso social, que em nenhum momento foi submetida ao eleitor por ocasião da campanha eleitoral.
Se não houver campanhas de esclarecimento sobre os reais propósitos dessas reformas, nem a desinterdição do debate entre os atingidos por essas reformas, para ampliar as mobilizações e a pressão sobre os parlamentares, a agenda de retrocesso social se transformará em norma jurídica. E direito é como pasta de dente: “quando sai do tubo dificilmente volta”.
Portanto, ou a sociedade, especialmente os movimentos sociais, reage a essa investida em bases neoliberais, promovendo campanha de esclarecimento sobre a gravidade desses retrocessos sociais, ou as perdas serão irreparáveis.