Eugenio Miguel Mancini Scheleder é engenheiro aposentado da Petrobras. Ocupou cargos de direção no Ministério de Minas e Energia e no Ministério do Planejamento, de 1991 a 2005. Atualmente, exerce a função de Mediador Extrajudicial na Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem – CCMA/RJ
Ninguém sabe como o preço do petróleo vai evoluir, mas alguns analistas acreditam que devemos nos preparar para um óleo em torno de US$ 50/barril por um longo período. Historicamente, não seria tão chocante, pois os preços atuais estão próximos do preço médio real dos últimos 150 anos, de US$ 35/barril, em dólares de 2014. A tese de um longo ciclo de preços baixos se apoia na mudança radical do modelo de produção de O&G, verificada na última década. Se confirmada, o atual ciclo de baixa não seria apenas mais uma “crise do petróleo”, a ser seguida por um boom no futuro próximo, como sempre ocorreu. Em vez disso, o mercado estaria iniciando um período duradouro de preços mais baixos, impactando os produtores de O&G e todas as nações, empresas e pessoas do planeta.
Até pouco tempo, aceitava-se gastar seis a dez anos para explorar, desenvolver e trazer a produção para o mercado, após investir bilhões de dólares em um novo campo de petróleo. Nos últimos dez anos, no entanto, os produtores americanos de petróleo e gás de xisto introduziram um novo modelo de negócio que ignorou a abordagem dos operadores convencionais. Os elevados preços praticados no mercado estimularam novas tecnologias de perfuração e fratura, tornando possível o início da produção de um campo em apenas seis meses após sua avaliação, com um investimento muito menor que o requerido por seus rivais convencionais. Em seis anos, o óleo de xisto passou de 10% da produção total de petróleo dos EUA para cerca de 50%, com elevação de 4 milhões de barris/dia.
A capacidade de produzir tal volume de petróleo em prazo tão curto constitui uma ameaça ao poder que a Opep sempre teve de regular o mercado mundial. Com um mínimo de alavancagem, os produtores de petróleo de xisto poderão, em questão de meses em vez de anos, reagir a uma decisão dos grandes produtores de cortar a produção para elevar os preços. Os países exportadores já perceberam que, se os preços subirem, a produção a partir de xisto será competitiva e avançará sobre as suas cotas de mercado. Ao mesmo tempo, vários outros países, como China, Argentina e Reino Unido, que dispõem de reservas abundantes de petróleo e gás de xisto, já iniciaram o desenvolvimento desses recursos, a despeito do cenário atual de preços deprimidos, elevando o poder de influência dos produtores não convencionais sobre o mercado global.
Uma década de preços mais baixos pode resultar em um novo equilíbrio de poder na indústria do petróleo. Estudos recentes mostraram que um preço de US$ 50/barril, por um longo período, colocaria países produtores como Venezuela, Nigéria, Iraque, Irã e Rússia sob um estresse considerável, forçando-os a enfrentar deficits crescentes nos próximos anos. Mesmo países como Arábia Saudita, EAU, Kuwait e Qatar, que acumularam riqueza considerável durante a última década, poderiam sofrer desgastes no período e iniciar uma diversificação do modelo de produção atual.
As companhias nacionais e as petroleiras multinacionais também estão mudando seus hábitos. Para competir com os perfuradores de xisto, essas empresas estão elevando sua produtividade operacional, priorizando as reservas mais facilmente recuperáveis e buscando a integração das novas tecnologias com suas operações e organização. Do outro lado, os países importadores de petróleo estão se beneficiando do declínio dos preços, melhorando a sua situação fiscal e os seus saldos em conta corrente. Podemos estar assistindo ao início de uma era de petróleo mais acessível, a perdurar no futuro previsível.
A desordem promovida pela exploração competitiva do petróleo não convencional deslocará a preocupação mundial da escassez futura para as incertezas de como o mercado será controlado. O Brasil, que mantém um certo equilíbrio entre produção e demanda interna, poderá auferir ganhos relevantes ou ter perdas severas, neste cenário. O novo PNG da Petrobras precisa levar em conta essas possibilidades e orientar a empresa na direção de uma dramática redução dos custos de exploração e produção do Pré-Sal.