Domingo, 24 Novembro 2024

Gilberto Alvarez Giusepone Jr. é presidente da Fundação PoliSaber e diretor do Cursinho da Poli

O filósofo Michel Foucault afirmava que onde há poder, há contrapoder; o sociólogo Pierre Bourdieu, quando conclamava resistência aos efeitos de políticas que ameaçavam direitos sociais, afirmava que onde há fogos deve haver contrafogos.

No atual momento, os educadores brasileiros são chamados a resistir energicamente ao esdrúxulo projeto “escola sem partido”, mas não somente a ele.
A situação exige que os argumentos autoritários e preconceituosos que estão na origem dessa proposta recebam os contrafogos daqueles que são comprometidos com a educação sabendo que a essência desse compromisso está radicada na relação inseparável entre escola e democracia.

Felizmente estão ocorrendo muitas manifestações contrárias ao projeto, especialmente nas redes sociais. E muitas dessas manifestações demonstram surpresa e indignação com o absurdo de uma proposta que mutila a opinião do professor e, acima de tudo, ignora a essência das chamadas Ciências Humanas, que historicamente se fizeram para repartir com as novas gerações a possibilidade de conhecer e analisar criticamente todos os fatos sociais, retirando dos domínios da natureza aquilo que é construção social.

Àqueles que se surpreendem é necessário lembrar que o projeto escola sem partido não é tão recente assim.

Foi idealizado pelo advogado Miguel Nagib em 2004 e transformado em texto para projeto de lei pelo deputado Flavio Bolsonaro (PSC) em 13 de maio de 2014. Talvez essa data tenha sido escolhida para fazer um contraponto à Lei Áurea.

Desde então, foram elaborados textos similares que tramitam em dez estados e no Distrito Federal. Com maior gravidade, pelo potencial destrutivo generalizado, tramita na Câmara dos Deputados a PL 867/205, de autoria de Izalci Lucas (PSDB-DF) e no Senado a PL 193/2016 de autoria de Magno Malta (PR-ES).

Esses textos têm efeito sintetizador. Ou seja, concentram em argumentos direcionados à destruição do trabalho docente, os componentes mais preconceituosos e intolerantes que transbordaram na sociedade brasileira e inundaram o cotidiano com manifestações contínuas de desrespeito à diferença e à alteridade. Ou seja, flertam abertamente com o fascismo.
A expectativa de retirar as ideologias das escolas é falsa. Em primeiro lugar o que os proponentes do “escola sem partido” fazem é apresentar o universo ideológico que os move como único, como adequado e, pior, como necessário.

Para usar um único exemplo entre tantos possíveis, poderíamos perguntar aos formuladores da proposta como Manoel Bomfim (1868-1932) teria ensinado, no início de século XX, que o racismo não tinha bases científicas, se estivesse em vigor uma norma que proibisse a presença de docentes que repugnavam o legado da escravidão e condenavam ideologicamente o uso da ciência para “inventar” superioridades e inferioridades?

Por trás da verborragia conservadora, o “escola sem partido” tem um alvo explícito: o professor. E também tem um propósito destruidor: controlar e enquadrar a diversidade, avançando inclusive sobre as questões de gênero que passaram a ser estigmatizadas como ideológicas.

Mas há um aspecto a ser desvelado que é da maior importância.

Já contamos com manifestações técnicas e jurídicas que demonstram a inconstitucionalidade da proposta. Por força da própria estreiteza que caracteriza o projeto, é possível afirmar que ele não passará a não ser à custa de violenta destruição de princípios constitucionais, o que significaria, inclusive, silenciar o Supremo Tribunal Federal.
Porém, é necessário denunciar o papel que essa insólita tramitação exerce neste momento.

Enquanto seus protagonistas fazem as encenações que julgam responder aos anseios dos que os aplaudem, retrocessos significativos ocorrem todos os dias, colocando em risco décadas de construção da educação pública, em todos os níveis.

É certo que se essas ações não forem contidas e revertidas já podemos afirmar que está em andamento um aniquilador processo de sucateamento de tudo o que significa educação pública no Brasil, da creche à pós-graduação.

 

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*Todo o conteúdo contido neste artigo é de responsabilidade de seu autor, não passa por filtros e não reflete necessariamente a posição editorial do Portogente.

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