Não tem sido usual em concessões e PPPs infraestruturais no Brasil. Mormente em casos de projetos/empreendimentos “greenfield”. Mais raro se sem perspectivas imediatas de leilões ou concorrências. Por isso a iniciativa da ANTT deve ser saudada; mais ainda sua postura.
Ao divulgar a conclusão dos “estudos de viabilidade técnica, econômica, socioambiental e jurídico-legal” de uma ligação ferroviária entre Brasília e Goiânia, já batizada de “Transpequi” (alusão à fruta típica do cerrado, muito utilizada na culinária do Planalto Central), tomou-se conhecimento dos seu custo (R$ 5,5 milhões) e do seus principais dados/informações balizadoras 207 km de extensão (Goiânia, Anápolis, Santo Antônio do Descoberto, Águas Lindas, Ceilândia e Brasília); 160 km/h de velocidade média; 95 minutos a viagem total (contra 45 só no voo e 4 horas de ônibus – com trânsito normal); estimativa de 40 milhões de passageiros no 1º ano de operação; tarifa de R$ 60,00 (similar às de ônibus em viagens expressas, e cerca de 50% superiores aos “paradores”); R$ 7 bilhões os investimentos (CAPEX); prazo de concessão de 30 anos, prorrogáveis.
Saudada, tanto a iniciativa como a postura, porque esse primeiro conjunto de dados já permite um pontapé inicial em salutar, amplo e não apressado debate – o que, seria bom, fosse a regra geral!
Mas, mesmo antes disso, logo após a divulgação (dia 2/JUN passado), algumas reflexões e discussões já se estabeleceram via redes sociais. Em quatro de que participo, questões muito interessantes foram levantadas:
Com um custo médio de implantação de R$ 33,8 milhões/km; tarifa de R$ 60,00; e cerca de 110 mil passageiros/dia-calendário; nos R$ 7 bilhões previstos para os investimentos (CAPEX) qual precisaria ser a participação do poder público (a fundo perdido) para que o empreendimento/negócio “fique em pé”, “rode”, com as taxas de risco, juros e câmbio vigentes, e TIRs, p.ex., de ofertas vencedoras em leilões e licitações do passado recente? A impressão dominante é que tal participação precisaria ser maior que a do empreendedor privado!?!?!
Daí duas perguntas decorrentes; uma operacional outra estratégica: Qual a probabilidade de tais recursos estarem disponíveis nos orçamentos da União, do DF e de Goiás, p.ex., nos próximos 2 anos? Nos próximos 5 ou 10? E, se fossem disponibilizáveis, seria essa a melhor alocação? O ceticismo predominou quanto à probabilidade; e não foi pacífica, houve controvérsias quanto à destinação dos recursos.
Quão sensível é a viabilidade (apurada) à demanda? P.ex.: Se ela for 10% menor; qual seria o impacto sobre a TIR; o VPL? Seguiria sendo viável? E se for 20%? 30%? 50%? E se o percentual de crescimento da demanda, a partir do 1º ano (cujos dados foram explicitados), for só 50% do considerado? E se for a maior?
Idem em relação ao montante de investimentos necessários (CAPEX)? Essa avaliação é crucial, vez que, aprendemos, independentemente do fator-corrupção, que os custos finais dos empreendimentos infraestruturais, no Brasil, têm sido, não raro, maiores que os inicialmente previstos.
Mas e se, contrariando a praxe, o CAPEX for menor (ou deferível) e/ou a demanda maior? Em quanto poderá ser reduzida a tarifa estimada de R$ 60,00? A propósito: É previsto algum nível de subsídio operacional/tarifário? Qual a fonte?
Caso o CAPEX possa ser compartilhado com infraestruturas associadas (redes de dados; p.ex.) e/ou os custos operacionais (OPEX) parcialmente bancados por contribuições de outros “beneficiários” e “receitas acessórias” (locações de imóveis ou, até, valorizações imobiliárias do entorno – operacionalizadas, p.ex., por meio de “Cepacs” - 02), quais os impactos sobre a TIR (mantida a tarifa); ou sobre a tarifa (mantida a TIR)?
Ou seja, se as chamadas “externalidades”, positivas e negativas, forem também consideradas: i) ... numa abordagem que transcende à mera análise financeira; ii) além de constante dos manuais e das boas práticas, a própria legislação e normas de licenciamento ambiental brasileiras preveem/exigem (nem sempre levado a sério!) a abordagem tripartite (econômico + social + ambiental) e o cotejamento do fazer X não fazer (implantar x não implantar o projeto/empreendimento); iii) calcular não chega a ser difícil. O desafio é o “como” operacionalizar tais fluxos (das externalidades para o empreendimento).
E se o sistema compartilhar o transporte de cargas com o de passageiros? Aliás, é factível para tal velocidade? Sob que condições? (E, claro, daí também considerando-se as diversas combinações de hipóteses; qualitativas e quantitativas).
Certamente a maioria dessas perguntas (se não todas!) são respondidas pelo estudo de viabilidade (e seus 12 anexos), que acabam de ser disponibilizados pela ANTT na internet.
Respondidas; há uma conclusão imediata?
Geralmente tais estudos terminam na linha do “sim X não”. Ou, mesmo quando não o fazem tão peremptoriamente, é assim que suas conclusões são divulgadas. Mas não deveriam!
No caso do “Transpequi”, p.ex., uma leitura, uma interpretação mais adequada seria que o empreendimento é viável se (na hipótese de) todos aqueles dados forem efetivados. Para cada hipótese, em relação a cada uma das variáveis exemplificadas, há um risco de x% de a “viabilidade” constatada se tornar inviável!
E há mais: A não-viabilidade nos estudos não significa que não venha a haver interessados na concessão ou PPP. Tampou que não haja oferta e seja assinado o contrato; pois o ofertante pode ter “visto” oportunidades não contempladas por quem os elaborou.
Assim, ganharíamos muito, nas análises e nas discussões, se passássemos a tratar a “viabilidade” indicada pelos EVTEAs, e estudos, em geral, não como uma informação shakespearenianamente determinística (“ser ou não ser; eis a questão!”); nem nos socorrermos do código de Nero no Coliseu romano (sim X não); ou do “curtir” do Facebook.
Uma abordagem probabilística (sinopses: 02; 03; 04) é, certamente, mais adequada. Isso pode ter, pelo menos, 2 eventuais benefícios: i) Facilitar o mapeamento para alavancar meios viabilizadores. Ou seja: O que e como, se acionado, pode fazer o “inviável” se tornar “viável” (dando ao trabalho mais um papel de “plano de viabilização” que de “estudo de viabilidade”); e/ou ii) Poupar esforços e tempo nas análises que o mundo financeiro, normalmente chamado a financiar 60%, 70%, até 80% dos investimentos, inexoravelmente faz.
P.S.: Curioso que o dia do meio ambiente (5/JUN – referenciado pelo início da 1º conferência da ONU sobre o ambiente humano; Estocolmo-1972) e o dia da logística (6/JUN – desembarque das forças aliadas na Normandia, em 1944; o “Dia-D”) se sucedam no calendário. Será mera coincidência? Ou há mais afinidades entre esses temas/áreas?