Sábado, 23 Novembro 2024

Por Clemente Ganz Lúcio, técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese)

A qualidade do solo e do clima e a dimensão territorial propiciaram o desenvolvimento da agropecuária no Brasil. Crescentes investimentos trouxeram amplo desenvolvimento ao setor, em termos de ciência e tecnologia, o que permitiu responder a uma demanda, interna e externa, por mais alimentos e insumos industriais. O País é um dos maiores produtores agrícolas do mundo, com responsabilidade na segurança alimentar da população mundial.

A agricultura familiar, que produz em escala bem menor que a extensiva, ocupa 70% dos quatro milhões de trabalhadores do setor agrícola e experimenta mudanças profundas. Enfrenta também muitos desafios. Como atividade econômica que responde por grande parte da oferta de alimentos nas cidades, é desafiada a superar a produção para o autoconsumo, pois precisa garantir uma oferta regular para atender a uma demanda crescente, a preços que remunerem adequadamente o produtor, capitalizando-o para investir na produção, e, ao mesmo tempo, disponibilizando alimento barato e de qualidade ao trabalhador urbano.

O direcionamento para uma produção agroecológica de qualidade precisa ser realizado respondendo ao desafio da oferta, de maneira a assegurar o abastecimento. O incremento da produtividade é elemento chave, o que implica desenvolver conhecimentos tecnológicos, biológicos, químicos, genéticos, entre outros, orientados para uma produção agroecológica com escala, que preserve a qualidade do solo e do ambiente e produza alimentos saudáveis.

De um lado, o incremento da produtividade agrícola brasileira e, de outro, a ampliação e o espraiamento no território dos núcleos urbanos estenderam para o campo uma série de serviços urbanos (energia, transporte, internet, escola, saúde, entre outros) e promoveram mudanças substanciais na vida e organização rural. A presença da indústria, colada à atividade agrícola, reorganiza as relações sociais de produção. Cerca de um terço da população rural, que vive em unidades da agricultura familiar, está ocupada em atividades não agrícolas (especialmente jovens e mulheres), na indústria ou em serviços urbanos. Também aumenta a população que vive em núcleos urbanos e produz nas unidades familiares.

As unidades rurais, principalmente da agricultura familiar, diversificam as possibilidades produtivas e passam a desenvolver novas atividades, como lazer e turismo rural, que crescem no País (alojamento, hospedagem, convívio com atividades produtivas, acesso a lugares turísticos etc.), atividades de preservação ambiental. Áreas mais próximas dos centros urbanos passam a ser local de moradia. O espaço rural também se transforma em sede de empresas. Há um movimento inverso daquele observado nos anos 1960/1970: moradores urbanos se deslocam para residir e produzir no meio rural brasileiro.

Essas mudanças, entre tantas outras, ocorrem simultaneamente ao processo de redução da população rural, que caiu de 25% (1991) para 16% (2010) da população total. Os quatro milhões de trabalhadores rurais representam menos de 8% da população trabalhadora do País. Há ainda um grande contingente de trabalhadores, produtores rurais sem terra, lutando pela reforma agrária. E aqueles que já conseguiram o acesso à terra demandam políticas agrícolas (crédito, seguro, assistência, comercialização, armazenagem, transporte, supressão de intermediários etc.) para que suas unidades produtivas sejam viáveis economicamente.

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