É jornalista e diretor da Agência Sindical
São Paulo é, sob muitos aspectos, uma cidade privilegiada. Entre esses privilégios está o fato de ser cortada por centenas de córregos e rios do porte do Tietê (corre 1.100 quilômetros) e do Pinheiros. Dentro da cidade, brotam inúmeros mananciais, especialmente na Zona Norte, rente à Serra da Cantareira, e na Sul, onde existe a reserva de Guarapiranga e ainda resta mata virgem.
Mas São Paulo, e arredores, sofre grave falta d’água, agora de modo mais constante. Os reservatórios antigos estão secando e só agora começam obras para captar água em locais mais distantes e também para fazer remanejamento. Há mais de 20 anos, não se constrói um grande reservatório por aqui.
Faz uns seis meses, eu conversava com o professor e sindicalista Sebastião Soares, que, entre o amplo conhecimento que domina, é conhecedor da situação dos Cerrados – tendo publicado livro sobre o tema pela Nova Central Sindical de Trabalhadores. Eu dizia ao professor, mineiro, que a falta de água em São Paulo tinha um viés classista, pois atingia muito mais duramente quem é pobre e mora longe.
Agora, vem a Folha de S.Paulo e me dá razão. Matéria desta quarta (4) mostra que o racionamento atinge 35% dos moradores da Capital (mais de 1/3, portanto). E atinge especialmente os bairros distantes e já castigados com a má qualidade dos demais serviços públicos.
Na tradicional e imensa Zona Leste, 43% responderam ao Data Folha que sofrem interrupção no abastecimento de água entre cinco e seis dias no mês (20% dos dias, portanto). Na Zona Norte, a falta d’água é citada por 40% dos moradores. No Centro, 5% reclamam. Se fosse em Higienópolis, por exemplo (aqui ao lado), a reclamação seria zero.
Por renda, informa o excelente levantamento da Folha de S.Paulo, a reclamação é maior entre os que ganham até dois salários mínimos – entre estes, 42% se queixam. Porém, cai para 19% a queixa dos que ganham mais de 10 mínimos.
A crescente falta d´água na maior mancha metropolitana do País denuncia o descaso do Estado, a falta de políticas públicas, a morosidade das obras tocadas pelos governos, especialmente o de Geraldo Alckmin, que há muito nos governa.
A seca nas torneiras também cresceu e se tornou dramática na medida em que o serviço foi privatizado e a Sabesp passou a ter ações na Bolsa de Nova Iorque – tudo para os acionistas e torneira seca pro povão.
Além da incúria administrativa, o racionamento denuncia a face desumana dos governantes, pois faltar água significa levar sofrimento às famílias e agravar as doenças de origem sanitária. Para tais governos, que moram em Palácios com poço artesiano, dane-se o pobre. Até porque seus financiadores podem tomar banho de água Perrier.