por Ciro Hamen
É fácil ver ecos de Fellini no novo filme de Selton Mello, O Palhaço. O diretor italiano já retratou o circo várias vezes em sua obra. A Estrada da Vida (1954) e Os Palhaços (1970) são referências óbvias. Charlie Chaplin também está presente, tanto no protagonista, que é uma espécie de “o vagabundo” brasileiro, quanto na temática circense, explorada por Chaplin em O Circo (1928). É possível também perceber algo de Jim Jarmusch na estranheza dos personagens encontrados pelo caminho, figuras que beiram o bizarro, e na dificuldade de comunicação entre elas.
Sem dúvida esses diretores são referências para Selton Mello, que em O Palhaço faz um filme mais pessoal do que o seu longa anterior, Feliz Natal (2008). Mais pessoal pois é visivelmente bastante autobiográfico. Além de dirigir, Selton também escreveu o roteiro - em parceria com Marcelo Vindicato - e faz o protagonista, Benjamin, que trabalha como o palhaço Pangaré, que nada mais é do que o clichê clássico do palhaço bêbado e tristonho, mas feito com bastante graça pelo ator. O papel também é a chance que Selton Mello encontrou para provar que não interpreta sempre o mesmo personagem. Benjamin é completamente diferente de qualquer coisa que o ator já fez, um homem complexo buscando o sentido da vida.
Benjamin e seu pai Valdemar (interpretado por Paulo José) tocam o Circo Esperança - nome muito bem escolhido - por cidadezinhas do interior, arrastando alguns gatos pingados para as apresentações. A vida deles é o circo e o conflito acontece quando Benjamin decide sair e ver “o mundo lá fora”. Selton Mello homenageia o popular, colocando ícones como Moacyr Franco (em apenas uma ponta, mas que já pode ser considerada umas das melhores pérolas do cinema brasileiro), Jorge Laredo (o Zé Bonitinho) e Ferrugem em pequenos papéis. Além disso, a clássica canção “Tudo Passará”, de Nelson Ned, está na trilha sonora. O próprio Selton disse que os filmes dos Trapalhões também foram influências em O Palhaço. E é bem perceptível.
Talvez o grande ponto fraco do filme seja a falta de um destaque maior para os personagens secundários. Com figuras tão interessantes na mão, Selton Mello opta por esquecê-las um pouco na segunda metade do filme, quando Benjamin ganha mais tempo sozinho na tela. O diretor se contenta em dar apenas uma cena de destaque para cada um deles, como a sequência em que o anão retira uma nota de dinheiro de dentro da cueca ou quando a mulher gorda diz que está precisando de um novo sutiã. Momentos impagáveis de personagens que mereciam mais. Isso, no entanto, não tira o brilho de O Palhaço, um dos filmes nacionais do ano.
Fonte: ÓminhaSantos