Segunda, 20 Janeiro 2025

Fonte: Valor Econômico

Por Sergio Leo

Entre os lugares-comuns da crônica econômica, um clichê de sucesso garantido é a comparação de economias como a brasileira a um transatlântico, navio moroso em suas mudanças de rumo, como convém a embarcações de grande porte. Comparação meio marota, essa, nestes tempos em que as manchetes do mundo inteiro se ocupam do naufrágio bizarro do cruzeiro Costa Concórdia, afundado em noite de festa por uma manobra infeliz. Nem o Brasil está tão, assim, festivo, nem seu comando merece comparação ao capitão irresponsável do navio italiano. A presidente Dilma Rousseff, atenta, andou até cobrando, neste fim de semana, mais eficiência a bordo.

O fascínio do naufrágio do Costa Concórdia, aliás, se presta menos a metáforas políticas que ao roteiro de um caça-bilheterias hollywoodiano, com personagens irresistíveis: a septuagenária que se salvou a nado; a ajudante de mágico flagrada pelo desastre dentro de uma caixa; o violinista que morreu ao buscar seu instrumento de estimação após socorrer dezenas de pessoas; o comandante fanfarrão, que, além de incapaz de um ato de coragem após a manobra calamitosa, chegou a pedir jantar para ele e uma bela senhorita da Moldávia quando já havia destroçado a lateral do navio em um recife submerso.

Dilma quer que sua tripulação dê mais velocidade à economia

A economia brasileira pede comparações mais nobres. Sigmund Freud, fascinado pelo gigantismo sublime dos mares, cunhou o termo "sentimento oceânico" para descrever uma sensação humana primordial, o breve momento em que a consciência ainda não faz diferença entre os limites do corpo e o mundo que o cerca - sentimento delicioso de harmonia, logo rompido pelas urgências corporais e do mundo externo, cheio de dores, prazeres e frustrações. A metáfora freudiana é belíssima, mas se aplica melhor aos economistas protegidos em suas ilusões de sapiência, confortados por modelos econômicos que a realidade insiste em perfurar com seus arrecifes imprevistos.

Nem Freud explica por que jornalistas e analistas têm paixão pelas imagens náuticas. No noticiário econômico, a macroeconomia exige âncoras firmes, índices mergulham, economias afundam, icebergs mostram só suas pontas em contas públicas, e, claro, de vez em quando surgem tsunamis e marolinhas, muito na onda durante a recente crise mundial - onde a falta ou excesso de liquidez é um dos elementos que costumam vir à tona.

Há limites evidentes para as comparações: enquanto um transatlântico de verdade pode ter comandantes covardes que abandonam o navio e não voltam nem por uma bronca da capitania dos portos, os navios metafóricos das economias e governos estão repletos de oficiais que se recusam a desembarcar após jogar o barco em direção à catástrofe. A história está coalhada desses comandantes que, após afundarem a nau, sabiam ter garantido o resgate bem remunerado, em consultorias insubmersíveis.

O que nos traz de volta à nave pilotada por Dilma Rousseff. A presidente parece disposta a cobrar de sua tripulação um esforço para aumentar a velocidade com que a economia brasileira vem transitando, ainda ao largo das águas mais revoltas que castigam as praias europeias. Dilma sabe que não navegamos em mar de almirante; já trabalhou na casa de máquinas, deve estar perturbada pelos ruídos estranhos ouvidos pelos passageiros mais atentos, muitos deles experientes lobos do mar (alguns mais para tucanos que para lobos, justiça seja feita à metáfora).

Esticando só mais um pouco as alegorias navais, vale lembrar que Dilma também guarda em seu diário o fracasso alarmista de alguns desses críticos, que anunciaram o iminente naufrágio da economia, em uma espiral inflacionária, quando o Banco Central fez um corte abrupto nas taxas de juros. Alexandre Tombini, por ter pressentido a tempestade recessiva no horizonte, hoje é respeitado por quem o criticava.

A popularidade recorde de Dilma com o pessoal de bordo não pode abafar as sirenes de alerta. Sabe-se que ela quer medidas neste semestre para estimular o consumo e, principalmente, os investimentos. Parece disposta a apertar as contas públicas como forma de dar credibilidade a uma redução adicional dos juros básicos da economia. Na sua carta de navegação, ainda falta traçar claramente que mecanismos será capaz de pôr em movimento para assegurar o crédito de longo prazo necessário a esses investimentos e, ao mesmo tempo, evitar que o crescimento movido a consumo interfira na trajetória de queda gradual da inflação.

O encontro ministerial de hoje, que se segue a intensas reuniões no fim de semana, pode servir para mostrar se o governo está consciente dos escolhos escondidos pela calmaria. Um deles é a ineficiência da ação pública para sustentar o aumento da capacidade produtiva, problema bem descrito em artigo dos economistas Júlio Sérgio Gomes de Almeida e José Roberto Afonso, no jornal "Estado de S. Paulo" de sábado. É hora de redobrar a atenção ao crédito bancário para negócios, ainda apoiado firmemente no financiamento oficial alimentado pelo endividamento do Tesouro.

Nesses últimos três anos, em que o governo reagiu à crise fortalecendo a oferta de crédito e ampliando - relativamente pouco - a sua dívida, os bancos privados aumentaram seus empréstimos às empresas em apenas o equivalente a 0,4% do PIB, calculam os economistas. Boa parte dos recursos bancários está "presa" em compulsórios bem remunerados pelo Banco Central. Pode estar na liberação desses recursos, com a criação de um mercado de dívidas privadas, um dos roteiros garantidos para o regresso à terra firme.

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