Pascal Lamy, diretor da Organização Mundial do Comércio (OMC), sugere o fim da proliferação de acordos de livre-comércio no mundo e que os tratados regionais existentes sejam gradualmente revertidos em acordos multilaterais. Para o Itamaraty, a proposta significaria uma reforma completa no sistema comercial mundial e uma redefinição na estratégia de inserção de economias no cenário internacional. O Brasil ainda alertou que nada que seja proposto por Lamy poderá afetar o processo de integração sul-americana. Um eventual acordo entre Mercosul e Europa, negociado desde 1999, teria de ser revisto.
Lamy deve ser eleito hoje para um segundo mandato à frente da Organização Mundial do Comércio (OMC). Ele é o único candidato e ontem passou por uma sessão de perguntas com governos de todo o mundo. A meta de Lamy será a de concluir, em seus próximos quatro anos, a Rodada Doha, lançada em 2001 e que ainda não conseguiu chegar a um entendimento. O processo foi lançado com o objetivo de abrir mercados e corrigir as distorções no comércio agrícola mundial. Mas as diferenças entre países emergentes e ricos sobre como essa liberalização deveria ocorrer acabou impedindo um acordo.
Ontem, em um discurso perante os 152 países da OMC, Lamy deixou claro que sua ideia vai além de concluir a Rodada Doha. Uma das preocupações da entidade é com a proliferação de acordos de comércio entre países. O temor é de que, com quase 400 acordos em vigor ou sendo negociados até 2010, o sistema multilateral seria profundamente minado.
"Em relação aos acordos de livre comércio regionais, é difícil ver como tão amplas concessões e compromissos são feitos hoje sem qualquer consequência no contexto internacional", disse. "Se somos sérios em relação à manutenção do princípio da nação mais favorecida, deveríamos pensar de forma coletiva alguma maneira de conseguir multilateralizar concessões feitas nos acordos de livre comércio", disse. O princípio da nação mais favorecida é o principal pilar da OMC e exige que o benefício dado por um país a outro seja estendido a todos.
Nos últimos anos, diante da paralisia da Rodada Doha, países passaram a buscar acordos bilaterais. A ideia levantada por Lamy, portanto, é de que todos os acordos de livre comércio entre países sejam estendidos para as demais economias. Para diplomatas, isso dificilmente ocorreria. Na prática, um acordo entre Brasil e países árabes teria de ser estendido para os Estados Unidos, Europa e China. O Brasil, por outro lado, se beneficiaria de acordos entre outros países.
Mas o governo não viu a proposta com bons olhos. O Mercosul é uma união aduaneira e, portanto, não seria afetado pela proposta. Mas a realidade é que o Brasil e os demais países do bloco negociam uma série de acordos de livre comércio. O Mercosul negocia com a Índia, já fechou com Israel, com os países do Golfo Pérsico e com vários países latino-americanos.
O que mais preocupa o governo é que o projeto de integração sul-americana passaria necessariamente por acordos de livre comércio entre os países da região. Pela proposta de Lamy, isso teria de ser estendido a todo o mundo em uma fase seguinte. Para o Itamaraty, a lógica da negociação seria totalmente modificada. Blocos como o Nafta - Canadá, Estados Unidos e Mexico -, estariam condenados. Os americanos ainda têm acordos com Chile, Cingapura, Israel e Jordânia.
Lamy ainda insistiu que a própria OMC teria de ser reformada. Uma das formas de fazer isso seria por meio de um entendimento de que não seria necessário que todos os setores da economia mundial entrem em acordo para que um tratado de comércio seja assinado. Na prática, isso significaria que acordos sobre serviços financeiros ou agricultura pudessem ser fechados antes mesmo de um acordo final envolvendo todos.
A ideia é de que isso acabaria facilitando as negociações, hoje completamente paralisadas. Outra proposta é de que a secretaria da OMC ganhasse novos poderes para poder apresentar propostas de acordos. Hoje, são os governos que fazem sugestões.
A OMC ainda confirmou para o início de maio a primeira reunião com o representante de Comércio da Casa Branca, Ron Kirk, em Genebra. Até agora, a Casa Branca não deu qualquer indicação do que será sua política comercial.
Fonte: O Estado de S.Paulo