As centrais sindicais organizaram para amanhã uma manifestação com vista a reduzir a jornada legal de trabalho para, com isso, expandir o emprego.
A Constituição Federal fixa a jornada semanal em 44 horas e inúmeras leis ordinárias garantem jornadas menores para bancários, telefonistas, digitadores, enfermeiros, advogados e mais de 20 outras profissões que têm regimes especiais.
Para se tomar decisões sobre jornada de trabalho há que se levar isso em conta e distinguir ainda a jornada legal da efetivamente praticada pelas categorias profissionais.
Nos países menos desenvolvidos as jornadas praticadas são longas. Na China, na Índia, no Vietnã, na Coréia do Norte e em inúmeros países da África a jornada ultrapassa a marca de 50 horas por semana.
Nos países desenvolvidos, as jornadas praticadas tendem a ser menores. Mas há diferenças entre o praticado e o legal. Na Alemanha, a jornada praticada pelos profissionais que trabalham em tempo integral é de 40,8 horas por semana (em média); na Inglaterra é de 40,7 horas; na Holanda, 39,5 horas; e na Irlanda e Dinamarca, 38,5 horas. Nesses cinco países, porém, a jornada legal é de 48 horas semanais. Já na Áustria, a praticada é de 41,3 horas e a legal é de 40 horas. Na Espanha são 40,1 e 40 horas e na França, 37,6 e 35 horas, respectivamente (Working Time Development - 2006, Dublin: European Foundation for the Improvement of Living and Working Conditions, 2007).
Por que as jornadas legal e as praticadas não coincidem? Porque as leis dão às partes liberdade para fazer acertos. Na Dinamarca, por exemplo, pode-se trabalhar mais do que a jornada legal mediante acordos. Mas a lei não permite esse tipo de ajuste por mais de quatro meses. Na Holanda, a jornada diária pode chegar a 12 horas, desde que a semanal não exceda a 60 horas num período de quatro semanas e 48 horas num período de 13 semanas. Na Alemanha, a jornada diária pode ser de 10 horas, desde que se mantenha a média de 8 horas durante 24 semanas.
O que ressalta nesse campo é a longevidade das jornadas legais. Elas têm permanecido estáveis por décadas a fio, enquanto as jornadas praticadas têm oscilado conforme a necessidade. Na Alemanha, muitas categorias negociaram em 2004-2006 uma ampliação de jornada (sem aumento de salário), para evitar a debandada de empresas para o Leste Europeu.
No Brasil também a jornada praticada é menor do que a legal. Nas regiões metropolitanas, a média é de 42 horas por semana (Dieese, Nota Técnica nº 64, 2008). Há categorias que já chegaram às 40 horas por semana, como é o caso dos químicos e farmacêuticos em São Paulo. Os últimos anos têm sido marcados por grandes avanços nas negociações coletivas - o que tem permitido reduzir jornadas e aumentar salários e benefícios.
As centrais sindicais argumentam que uma redução da jornada legal em quatro horas por semana possibilitará a geração de 2,2 milhões de novos empregos.
A aritmética está certa. Mas raramente a realidade segue a aritmética. Se fosse possível gerar empregos por lei, não haveria desemprego no mundo.
Analisemos melhor a proposta. Se a Constituição Federal vier a ser modificada, todas as empresas - de Norte a Sul do País - terão de cumprir a nova jornada e manter os mesmos salários e benefícios.
Há empresas que podem fazer isso. Outras, não. As chances de se gerar mais empregos são boas, se o custo unitário do trabalho permanecer constante. Mas são péssimas se este subir na proporção da redução do tempo trabalhado, podendo-se repetir o que ocorreu depois de 1988. Em lugar de contratar mais trabalhadores, as empresas passaram a trabalhar 44 horas semanais, promovendo reestruturações, mecanização e automação. O efeito empregador foi nulo.
Para se gerar empregos, há uma outra condição. É preciso haver, na redondeza, os trabalhadores que as empresas precisam. Se as empresas tiverem de investir na preparação desses trabalhadores, o custo do trabalho subirá ainda mais, impedindo a contratação.
Em conclusão, não há nenhuma garantia de que a redução da jornada legal venha a gerar mais empregos. Mas há boas chances para se reduzir a jornada praticada pela via da negociação coletiva. Esta permite a adaptação da vontade dos trabalhadores às condições concretas das empresas. É o que tem sido feito no mundo com sucesso, inclusive no Brasil.
*José Pastore é professor da FEA-USP. E-mail: [email protected] Site: www.josepastore.com.br
Fonte: O Estado de S.Paulo - 27 MAI 08