Após um longo flerte - sempre desmentido no passado -, a Camargo Corrêa finalmente deve ficar com a Alpargatas da Argentina. A consumação desse “romance” foi comunicada pelo grupo brasileiro à Bolsa de Valores portenha. A Camargo Corrêa, dona da São Paulo Alpargatas, informou à instituição que assinou uma carta de intenções com um grupo de investidores que possui 31,45% das ações da Alpargatas.
Caso o negócio seja fechado, a Camargo Correa vai levar uma empresa com 11 fábricas de calçados e têxteis, metade do mercado de denim (tecido usado na fabricação de jeans) e um quarto das vendas de calçados da Argentina. Embora seja importante no país vizinho, a empresa é pequena se comparada à brasileira. Em 2006, sua receita foi de R$ 322,4 milhões, quase cinco vezes menor que a da São Paulo Alpargatas.
Segundo o presidente da São Paulo Alpargatas, Márcio Utsch, o acordo ainda depende de uma auditoria nas contas da empresa argentina. “A carta de intenções é o estágio inicial. O processo de auditoria pode levar entre um e dois meses”, diz Utsch. “Se for fechada, será nossa primeira compra no exterior.” A São Paulo Alpargatas tem 22% do capital da espanhola Tavex Algodonera, a maior indústria têxtil do mundo e dona da Santista Têxtil, que já tem fábricas na Argentina.
O valor da operação, segundo o executivo brasileiro, só será divulgado após a análise das finanças da companhia. Graças à reestruturação de sua dívida, a Alpargatas Argentina registrou em 2006 um lucro de R$ 130 milhões, cinco vezes mais que no ano anterior.
Desde o ano 2000 a Alpargatas é controlada pelos fundos de investimentos Newbridge Latin America, Longbar Argentina LLC, OCM Oportunities Fund LLT e o Columbia HCA Master Retirement Fund. Eses grupos possuem os 31,45% das ações que passariam à Camargo Corrêa. O restante das ações está distribuído entre dezenas de acionistas.
As duas empresas foram fundadas pelo mesmo dono, o escocês Robert Fraser. Na década de 30, o controle acionário da brasileira pertenceu ao grupo argentino. Mas em 1982 a Camargo Corrêa comprou a participação dos argentinos e passou a controlar a companhia.
A compra da Alpargatas é estratégica dentro do processo atual de internacionalização do grupo brasileiro. Em maio, ele dará um passo importante nesse sentido com a abertura de uma subsidiária nos Estados Unidos, a primeira fora do País. “A operação na Argentina seria o segundo passo nesse sentido”, diz Utsch. A Alpargatas já exporta para 80 países, mas não tem uma estrutura no exterior de vendas e marketing.
DOMÍNIO BRASILEIRO
A Camargo Corrêa já controla desde 2005 a Loma Negra, a histórica fábrica de cimento argentina. O grupo domina 51% do mercado do cimento local.
A Alpargatas, símbolo do setor têxtil argentino desde 1883, é mais uma das “jóias da coroa” da indústria argentina que passa para mãos brasileiras. Desde a crise financeira, social e econômica de 2001-2002, empresas argentinas de grande porte passaram para o controle brasileiro. A ponta de lança do desembarque verde-amarelo foi a Petrobrás, que em 2002 comprou a empresa energética Pérez Companc (Pecom), com a qual transformou-se na segunda companhia em vendas de diesel na Argentina, a terceira em gasolina e petróleo e a quarta em gás.
Depois, foi a vez da AmBev, que adquiriu a centenária cervejaria Quilmes. Junto com as vendas da Brahma, a AmBev é responsável na Argentina por mais de dois terços da cerveja consumida naquele país. Ela também domina 38% do mercado de refrigerantes.
A Belgo-Mineira está presente na Argentina por meio da Acindar, comprada em 2000. A empresa domina o mercado de aço longo usado na construção civil. Até o setor de carne bovina - emblema da economia argentina durante séculos - tem uma considerável marca brasileira por meio da goiana Friboi, que tornou-se a maior exportadora de carnes processadas da Argentina ao comprar o frigorífico Swift, além de outras empresas menores do setor. Atualmente, a Friboi é responsável por 8% do mercado interno argentino e por 25% das exportações.
Outra empresa na mira dos capitais brasileiros é a Aços Bragado, que está atraindo o Grupo Gerdau. Segundo fontes do mercado, o grupo brasileiro teria feito uma oferta de US$ 150 milhões pela companhia, especializada em laminados.
No total, desde 2002, os investimentos brasileiros na Argentina totalizaram US$ 7 bilhões. A perspectiva dos analistas é que a tendência de investimentos de empresas brasileiras continue de vento em popa por vários anos. Um dos estímulos é o desempenho exuberante da economia da Argentina, que nos últimos quatro anos registrou uma média anual de crescimento do PIB de 9%. Outro fator é o câmbio, que favorece as empresas brasileiras dispostas a ir às compras na Argentina.
ORIGEM IDÊNTICA
1883: O escocês Robert Fraser funda a Alpargatas na Argentina
1890: Fraser abre a Alpargatas no Uruguai
1907: É a vez de o empresário escocês inaugurar a Alpargatas no Brasil
1930: O controle acionário da Alpargatas no Brasil passa para as mãos dos mesmos donos da Alpargatas Argentina
1948: Inicia-se um processo gradual de entrada de capital brasileiro na companhia
1982: Grupo Camargo Corrêa assume o controle da Alpargatas. Hoje ele detém 37% das ações da companhia
2006: São Paulo Alpargatas assume 22,2% da Tavex, após fusão da Santista Têxtil com a empresa espanhola. A empresa tem fábrica na Argentina
2007: São Paulo Alpargatas assina carta de intenções para adquirir 31,45% do capital da Alpargatas dos fundos Newbridge, Longbar Argentina LLC, OCM Oportunities Fund LLT e Columbia HCA Master Retirement Fund
Fonte: O Estado de S.Paulo - 18 ABR 07