Terça, 04 Fevereiro 2025

Quando os políticos legislam sobre questões de seu interesse direto, a começar das regras do jogo de que participam, só por acaso os seus objetivos coincidem com o interesse da sociedade. Assim foi, por exemplo, a instituição dos pleitos em dois turnos para presidente, governadores e prefeitos (em municípios com pelo menos 200 mil eleitores), o que deu aos vencedores o claro mandato representado pela maioria absoluta dos votos. Foi também a instituição do direito dos detentores desses cargos de pleitear um segundo período de governo - com a ressalva de que a nova norma, aprovada em 1997, só deveria ter entrado em vigor na eleição seguinte à de 1998, para não configurar, como configurou, um casuísmo em benefício do então presidente Fernando Henrique.

Agora, tudo indica que vai se voltar ’’aos quadros constitucionais vigentes’’, como diria o antigo ministro da Guerra, marechal Henrique Lott, a se confirmar a intenção dos políticos de mexer de novo no sistema eleitoral, apenas e tão-só porque a mexida - no caso, o fim da reeleição - atende aos interesses do governo e da oposição, pouco importando a um e à outra o que acham disso os 126 milhões de eleitores brasileiros. Visto que os políticos jamais perecerão à falta de argumentos para defender as suas bandeiras de conveniência, que amanhã podem ser o contrário das de hoje, não vale nem a pena fazer a exegese da sua rationale para extinguir o regime de dois possíveis mandatos consecutivos, passado tão pouco tempo de sua implantação.

Registre-se apenas o argumento forjado segundo o qual a reeleição ’’oligarquizou’’ o sistema político - como se antes prevalecesse a oportunidade de igualdades eleitorais entre os competidores por cargos executivos. É verdade que (não só no Brasil) os governantes que se recandidatam têm mais chances de se reeleger do que de serem apeados, o que retarda o aparecimento de novos líderes políticos. Mas isso não altera o principal: o direito obtido pelo eleitor de dizer se deseja, ou não, mais do mesmo pelos quatro anos seguintes. E, quando a resposta é positiva, tem-se um ganho potencial para a sempre invocada continuidade administrativa. Dizem os juristas que lei boa é lei antiga - a que passou pelo teste do tempo. Claramente é cedo para saber se a reeleição fracassou nessa prova.

Mas de que valem os fatos objetivos e o bom senso diante das ambições dos políticos? Não há quem ignore que o PSDB tem dois presidenciáveis natos, os governadores de São Paulo, José Serra, e de Minas, Aécio Neves, e o PT tem um: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mantida a reeleição e considerando que política tem fila e idade conta, caso Serra ascendesse ao Planalto no primeiro dia de 2011, o comparativamente jovem Aécio correria o risco de esperar mais 8 anos, quando teria 58, para fazer o mesmo. Isso o induziria a disputar a indicação com o paulista no ninho tucano em 2010, ou, como se aventou, a bandear-se para o PMDB, que alegremente lhe daria legenda. O quadro também ficaria inóspito para Lula, ameaçado de só poder voltar ao ’’ápice de um ser humano’’, como definiu a Presidência, em 2019, aos 74 anos.

O fim da reeleição acaba com esses problemas, embora subtraia dos vitoriosos no ano passado, sob a regra da reeleição, o direito a concorrer a um segundo período em 2010 - num casuísmo igual, mas com sinal trocado, ao de 1997. De todo modo, caso Serra se eleja em 2010 para um mandato de 5 anos, como seriam os dos executivos a partir de então, Lula e Aécio iriam à liça já em 2015, com um ganho de tempo precioso, especialmente para o primeiro. Mas a mudança, como vem sendo concebida, traz um problema indesejável para o País: o descolamento das eleições para presidente, governadores e prefeitos daquelas para deputados e vereadores - a menos que também os seus mandatos venham a ser ampliados, o que obrigaria a reduzir de 8 para 5 anos os dos senadores.

Sendo certa a recusa dessa ampliação, o resultado último seria, portanto, a volta da eleição solteira para o Planalto e a sua adoção nos Estados e municípios. A única experiência dessa disputa personalizada e despolitizada - que deu Collor em 1989 - foi mais que suficiente para se saber que representa o pior dos mundos.

Fonte: O Estado de S.Paulo - 18 ABR 07

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