Grandes empresas, que consomem energia em larga escala, já se preparam para a eventual escassez de oferta de eletricidade a partir de 2009. Nos últimos meses, distribuidores e comercializadores de energia elétrica vêm sentindo uma corrida por contratos de longo prazo, com vencimento para o início da próxima década.
A acirrada disputa pela clientela levou os agentes do setor a criar produtos cada vez mais sofisticados, como pacotes em que o preço da energia varia de acordo com a cotação dos produtos finais dos clientes. O mercado estima um aumento de até 45% nos preços da energia elétrica vendida pelas distribuidoras no período entre 2010 e 2012.
No mercado livre, os contratos para 2010 devem atingir os R$ 115 por megawatt/hora (MWh), ante os R$ 82, em média, pagos para fornecimento este ano, diz o diretor-presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace), Paulo Mayon. ’’Se as estimativas de crescimento do PIB em torno de 4% a 4,5% se confirmarem, é possível que tenhamos algum risco de déficit, com impacto nos preços’’, explica o executivo.
Ele diz que há uma série de fatores que podem alterar o cenário - para melhor ou para pior - como a velocidade de implantação de usinas de biomassa ou de projetos de gás natural pela Petrobrás.
Por via das dúvidas, acrescenta, as empresas estão garantindo desde já o fornecimento por preços mais estáveis. Segundo Mayon, a maior parte dos associados da Anace já fecharam contratos de fornecimento até meados da próxima década. ’’Há algumas que têm contrato até 2016’’, conta.
MUDANÇA
A busca por fornecimento de longo prazo é uma novidade no mercado de energia. Em 2003, por exemplo, contratos desse tipo representavam 59% do total da energia vendida em contratos bilaterais na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). Em 2006, o porcentual chegou a 84%.
O crescimento pode ser ainda maior, já que, em 2003, os maiores contratos de longo prazo tinham três anos, em média. Foi a época de excedente de energia provocado pelo período pós-racionamento e muitas empresas correram ao mercado livre para pagar menos do que pagavam para as distribuidoras.
Hoje, os contratos médios duram entre 4 e 5 anos e, como disse Mayon, há casos em que podem chegar a 10 anos. O mercado livre de energia representa 30% de todo o consumo nacional e a tendência é de crescimento nos próximos anos, já que, desde o fim de 2006, consumidores comerciais, como bancos ou redes de supermercados, estão autorizados a comprar energia de fontes alternativas para abastecer grupos de lojas.
’’Ainda não há grandes volumes de energia alternativa à disposição, mas, quando houver, é certo que muitas empresas irão migrar para o mercado livre’’, diz Marcelo Parodi, sócio da Comerc.
Com atuação na área de comercialização de energia, a Comerc é uma das empresas que surgiu com o crescimento desse mercado. Começou operando com consultorias para grandes consumidores de energia e hoje é responsável pelo abastecimento de 900 unidades industriais de 600 empresas espalhadas pelo País.
Há hoje 44 comercializadores cadastrados na CCEE, entre empresas independentes ou ligadas a geradoras de energia. A competição, concordam todos os entrevistados, é cada vez mais acirrada.
Por isso, as empresas estão inovando nos produtos oferecidos aos clientes. As comercializadoras, com opções para retirar indústrias no mercado cativo; as distribuidoras, por sua vez, com soluções para fidelizar empresas e evitar a perda de mercado. ’’Perder um cliente não tem preço’’, decreta Ricardo Lima, vice-presidente comercial da Eletropaulo, que atende à região metropolitana de São Paulo.
FIDELIDADE
A companhia criou um programa de fidelização dos grandes consumidores, com a implementação de um call center específico e a oferta de energia de acordo com as necessidades de cada cliente. A Light, que opera no Estado do Rio, também adotou novas estratégias.
Um dos produtos foi batizado de energia plus e permite ao cliente pagar menos pelo consumo extra no horário de ponta, quando o custo normalmente é maior. A empresa começou a atuar na outra ponta em outubro do ano passado, cooptando indústrias de fora de sua área de atuação - ou antes abastecidas pela Light - a partir da subsidiária Light Esco, que atua na comercialização de energia. Desde então, conseguiu contrato com cinco unidades fabris localizadas em São Paulo, duas da montadora General Motors e três da Unilever.
’’A projeção é que a área de comercialização de energia tenha participação cada vez maior nos negócios do grupo’’, diz o superintendente da Light Esco, Marco Antônio Donatelli. Grandes distribuidoras apostam nesse filão e também têm comercializadoras, seja para disputar novos mercados ou para tentar manter as empresas que decidiram migrar para o mercado livre. Controladora da Eletropaulo, a AES, por exemplo, opera no segmento por meio da Infoenergy.
Para não perder clientes, as distribuidoras usam como argumento justamente a garantia de fornecimento no final da década. ’’Ser cliente cativo dá mais segurança’’, promete Lima. Por outro lado, Mayon, da Anace, pondera: ’’O preço da energia vendida pelas distribuidoras está em baixa agora, mas a tendência é que chegue perto dos R$ 140 por MWh em 2010.’’
Ele lembra também que, ao se tornar livre, uma empresa tem maior poder de gestão da energia que, em alguns casos, pode representar 30% do custo final do produto.
Nesse sentido, o mercado vem se tornando cada vez mais sofisticado. Mayon aponta, como exemplo, um grande produtor de cobre, cujo nome não revela, que hoje tem um contrato de compra de energia indexado parte por índices de inflação e parte pelas cotações mundiais do minério.
Fonte: O Estado de S.Paulo - 02 ABR 07