Na continuidade da série de reportagens sobre o Porto Sul, que o Governo da Bahia quer instalar entre Ilhéus e Itacaré, publicamos uma entrevista exclusiva com o secretário-executivo do Instituto Floresta Viva, Rui Barbosa da Rocha. Engenheiro agrônomo, mestre em meio ambiente e professor da Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), ele é um dos principais opositores ao projeto portuário e luta por mais espaço na mídia para divulgar o que pensa sobre o Porto Sul.
Rui trabalha com meio ambiente desde 1990, quando atuou na Amazônia, e desde 1996 trabalha na região da mata atlântica do Sul da Bahia. Professor universitário, ele orienta uma equipe de 20 técnicos e pesquisadores no Instituto Floresta Viva. “Na verdade, o Porto Sul é uma idéia da Bahia Mineração, que estudou o local mais barato na costa baiana e sugeriu para o governo baiano a escolha oficial da área, dando caráter público a um projeto privado, do setor de mineração”.
PortoGente: Como vocês ficaram sabendo do projeto Porto Sul?
Rui Rocha: Em 2007, fontes do Governo da Bahia falavam do projeto, mas não havia nada em documento nenhum, nem em site, nada. Somente no finalzinho do ano, no apagar das luzes de 2007, saiu a primeira notícia da Ferrovia Oeste-Leste e, depois, a do Porto Sul na Ponta do Ramo, norte de Ilhéus. Depois vimos que o local real indicado seria a Ponta da Tulha, alguns quilômetros ao sul.
PortoGente: Há alguém por trás disso?
Rui: Na verdade, o Porto Sul é uma idéia da Bahia Mineração, que estudou o local mais barato na costa baiana e sugeriu para o governo baiano a escolha oficial da área, dando caráter público a um projeto privado, do setor de mineração. Por isso a comunicação oficial veio assim, meio que desconectada, sem debate nenhum com a sociedade civil, prefeitura, órgãos ambientais, nada.
PortoGente: Quais os principais pontos que vocês discordam do projeto Porto Sul?
Rui: A ausência de planejamento público em obra tão impactante na região e mesmo na Bahia. Além disso, a sua localização, que fere os princípios mais elementares de conservação de natureza. O local é uma área de proteção ambiental muito significativa para Ilhéus e para o Brasil, pois hospeda a maior biodiversidade do planeta, com espécies ameaçadas de extinção, e comunidades tradicionais de pescadores em toda esta zona litorânea. Para terminar, a finalidade do projeto nos preocupa.
PortoGente: Por que a finalidade o preocupa?
Rui: Escoar minério de ferro bruto para a China, sem uma visão mais clara de desenvolvimento e sustentabilidade de longo prazo. A jazida dura 20 anos, e depois ficamos com o Litoral Sul da Bahia danificado para sempre, prejudicando uma economia de turismo em franco crescimento nesta costa, que gera muitos empregos e conserva ambientes naturais.
PortoGente: O Governo da Bahia disse que a proposta foi bem recebida pelos moradores e ambientalistas. É verdade?
Rui: Não. Ambientalistas locais, baianos e brasileiros foram surpreendidos com este projeto. A área possui centenas de hectares de Mata Atlântica em ótimo estado de conservação, vilas de pescadores tradicionais de jangada, residências e pequenos empreendimentos turísticos, implantados recentemente na região, estimulados pelos governos Federal e do Estado. Este ano criamos a Ação Ilhéus, movimento de cidadania local que liderou um abaixo-assinado com seis mil assinaturas, em poucos dias, no Centro da Cidade. Uma opereta dos artistas de Ilhéus considera o Porto Sul a Artimanha do Mal, como denominam a obra.
PortoGente: Quantas pessoas serão afetadas pela construção do porto?
Rui: Por baixo, dezenas de milhares de pessoas que vivem neste trecho da costa. Estamos falando em uma zona turística que recebe 200 a 300 mil turistas por ano desde 1995, e este número tem flutuado para cima. Entre Ilhéus e Itacaré existe um pólo de ecoturismo em formação que gera milhares de empregos diretos, sendo destaque em todas as publicações especializadas de turismo brasileiras e mesmo internacionais. Este ano Itacaré apareceu no New York Times como um dos cem destinos mais cobiçados e interessantes do mundo.
PortoGente: O porto não traria vantagens econômicas ao Sul da Bahia?
Rui: Ilhéus já possui um porto internacional que tem servido para o escoamento da soja do oeste baiano, importação de cacau para indústrias de chocolate, e o receptivo de turistas de transatlânticos internacionais, todos os anos, em volume crescente. Este porto tem problemas de isobatimetria recentes, por conta de um projeto estrutural mal feito nos anos 70, mas tem funcionado bem nos fins atuais. Por outro lado, um porto privativo a poucos quilômetros ao norte não garante que teremos uma transformação econômica regional positiva, pelo contrário
PortoGente: O Porto Sul pode, então, prejudicar a região?
Rui: Poderemos sim ter um efeito negativo, que já começou. Ilhéus, entre outras coisas, vive também do turismo. Vários investimentos previstos nesta costa foram paralisados somente pela noticia do porto. Imagine se tivermos aqui uma zona portuária para minério de ferro em pó e urânio, no meio da Costa do Cacau! O turismo de natureza, que mal começou e já envolve muitos segmentos econômicos regionais, como a agricultura, a construção civil e o comércio, seriam abalados irreversivelmente.
PortoGente: Como você vê o surgimento de portos em áreas de preservação ambiental, como Porto Sul, Porto Brasil e Porto do Açu?
Rui: Eles refletem uma época, pois foram motivados pela brutal especulação financeira sobre as commodities, no meio da febre da crise habitacional americana. Aqui, a ação de especuladores como Eike Batista, Daniel Dantas, João Cavalcanti, e aqui incluo o Mittal, da Arcelor Mittal, que fundou a Bahia Mineração, patrocinadora do Porto Sul. Esta era em que os interesses financeiros invadem o interesse público precisa acabar urgentemente.
PortoGente: É possível conciliar desenvolvimento e respeito ao meio ambiente?
Rui: Sim, mas isso requer uma nova agenda de desenvolvimento, onde o conhecimento e educação movam a economia, incluindo o meio ambiente e a sustentabilidade na lógica dos negócios. Energia, alimentos, construção civil, transportes, turismo, saúde, todos estes setores precisam de mudanças estruturais, e temos que fazer isso agora, já.
PortoGente: Quais as articulações políticas para barrar o Porto Sul?
Rui: Estamos mobilizando todos os setores da sociedade, desde a academia, artistas, até a mídia e o parlamento. Temos poucos recursos financeiros, mas temos a dignidade e a crença de que o interesse público sairá vencedor nesta batalha.
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