Fotos: Greenpeace Brasil
Moradores relacionam cheia histórica com as hidrelétricas em construção
No dia 25 último, o rio atingiu o nível de 18,48 metros, 1,8 metros acima da cota de emergência determinada pela ANA (Agencia Nacional de Aguas). De acordo com o CPRM (Serviço Geológico do Brasil), os níveis máximos do rio Madeira em Porto Velho ocorrem entre os meses de março e abril em 95% dos casos. Esse ano, o nível do rio começou a bater recordes históricos ainda em meados de fevereiro, muito antes do que é esperado para a região.
“O rio encheu muito cedo. Nós que somos aqui da região, estamos acostumados com a cheia, mas não desse jeito e também não muito cedo. Sempre quando alaga um pouco aqui é em março, enquanto dessa vez começou a alagar no início de fevereiro. Pelo que sabemos, o rio só começa a secar em abril. E se ele continuar subindo até lá? Como vamos ficar?”, perguntou João Batista de Souza, 58, nascido e criado no entorno de São Carlos. Barqueiro, ele teve sua casa invadida pela água de um dia para o outro.
Moradores têm suas casas invadidas pelas águas, perdendo utensílios domésticos e suas histórias
Assim como João, milhares de pessoas estão vendo suas casas, pertences e memórias sendo engolidas pelas águas do rio Madeira. Para buscar suas histórias, o Greenpeace percorreu os bairros alagados e visitou comunidades que estão completamente submersas.
Nesse percurso, a equipe encontrou um cenário desolador: pessoas desalojadas, muitas vivendo de forma precária em escolas (as aulas foram suspensas para receber as famílias), enquanto outras tentam salvar seus pertences como podem: carregando geladeira, freezer, fogão e colchões nas costas até os barcos que levam para os abrigos ou casas de parentes.
“Em um cenário de mudanças climáticas, encontramos exemplos de um evento extremo. A cheia histórica de um rio afetado pelas chuvas em suas nascentes na Bolívia e no Peru e que, em seu percurso, encontrou duas barragens, as usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, construídas sem planejamento para lidar com eventos como esse”, disse Danicley de Aguiar, da campanha Amazônia do Greenpeace.
Em São Carlos do Jamari, a cerca de cem quilômetros de Porto Velho, em alguns pontos a água está quase dois metros acima do nível da rua, e já avançou dois quilômetros adentro da comunidade. O Greenpeace registrou moradores sendo obrigados a abrir buracos no telhado para conseguir entrar em suas casas, já que a água cobria portas e janelas. Outros estão trabalhando para suspender o assoalho com tábuas de madeira, enquanto aguardam o nível da água subir ainda mais, como é o esperado.
Muitos moradores entrevistados falaram sobre o comportamento anormal do rio depois da chegada das usinas, que entraram em funcionamento em 2012 (Santo Antônio) e 2013 (Jirau): “As pessoas das usinas falam que as barragens não têm nada a ver, mas a pergunta que está na cabeça de todos é: por que então antes não acontecia isso? Meu pai morreu com 96 anos, nasceu e se criou nessa região e nunca falou que tinha acontecido algo assim”, disse seu João.
Marcio Santana de Lima, liderança da comunidade de São Carlos e coordenador do MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) concordou: “Agora tá tudo diferente, ninguém sabe quando o rio enche, quando vai secar”, disse. “O primeiro impacto [das hidrelétricas] foi o peixe, depois veio o desbarrancamento dos rios e por último essa cheia aqui... Sabemos o impacto que são essas hidrelétricas e sabemos que tem mais projetos aprovados para a região norte”, disse, com preocupação.
Para reduzir o impacto da cheia, no último dia 22, a Usina Hidrelétrica Santo Antônio desligou 11 turbinas após pedido da ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico). Isso ajuda a diminuir a vazão e o volume de água do rio. Mas, mesmo com esse procedimento, o Greenpeace verificou que a água continua atingindo as margens do rio Madeira com força, potencializando um fenômeno natural chamado na região de banzeiro, que causa o desbarrancamento das margens do rio.
Informações do Greenpeace Brasil.