*por Alessandra Goes Alves
Ao reunir conhecimentos ancestrais de povos andinos, ayurveda e medicina chinesa, essa linha terapêutica busca resgatar o protagonismo das mulheres sobre seu corpo e saúde
Com o fortalecimento e a disseminação do pensamento feminista, a saúde da mulher vem sendo mais discutida em noticiários, redes sociais, blogs e páginas de especialistas, de maneira mais aberta e acolhedora.
Quebrar tabus sobre a menstruação, buscar novos modos para tratar sintomas ginecológicos, falar sobre o orgasmo feminino e a importância do autoconhecimento da mulher por meio de processos como a masturbação são alguns avanços que vêm se popularizando nos últimos anos a partir dessas discussões.
Endometriose, corrimentos, candidíase e cólicas são problemas que toda mulher já sentiu, ao menos, uma vez na vida. Embora a medicina predominante no Ocidente veja os sintomas físicos como algo unicamente corpóreo, cresce o número de mulheres que buscam linhas terapêuticas que conectem esses sinais e a saúde emocional das pacientes.
É nesse contexto que surge a chamada ginecologia emocional, linha terapêutica que reúne os conhecimentos da medicina chinesa, da ayurveda e da ginecologia natural para conectar sintomas físicos e saúde psíquica.
Origem da ginecologia emocional
Essa nova visão terapêutica foi criada pela palestrante Kareemi a partir da sua busca para a cura de seus ovários policísticos. Cansada dos métodos alopáticos, envolvendo receitas e medicações, Kareemi estudou ayurveda, ginecologia natural e medicina chinesa, reunindo os conhecimentos sobre a saúde física e emocional da mulher. Assim, originou-se a ginecologia emocional.
Essa linha defende que todo sintoma físico tem suas origens nas emoções. O útero é um dos principais órgãos capazes de traduzir as dores emocionais que as mulheres sentem, a partir de sintomas no corpo biológico.
Desde 2012, Kareemi já ofereceu cursos virtuais para mais de 800 mulheres. A partir da experiência, ela afirma que três fatores emocionais são preponderantes em praticamente todos os problemas ginecológicos entre as clientes que a procuraram: autoestima, autoconfiança e amor próprio.
Concepções de povos originários andinos
Essa ideia de que mente, espírito e corpo físico estão intimamente conectados não é exatamente nova. Povos originários indígenas, especialmente, de algumas regiões da Cordilheira dos Andes, já sabiam da conexão entre esses três elementos e tinham a medicina do quente e do frio como um dos seus alicerces.
Um dos saberes sagrados dessas culturas é o chumbe, uma faixa criada na cultura andina capaz de esquentar o útero e protegê-lo de campos energéticos que possam lhe causar mal.
Em vez de passar a responsabilidade de detectar o problema e sua raiz a um profissional da medicina, a ginecologia praticada entre povos andinos vê a mulher como protagonista da sua própria saúde não só no papel de paciente, mas de curadora. Ter ciência das suas dificuldades emocionais é uma das etapas fundamentais para a sanação das questões físicas.
Essa ideia também esteve presente no desenvolvimento do trabalho de Sigmund Freud, criador da Psicanálise. Esse modo de pensar manteve-se nas décadas seguintes a partir do surgimento da Psicossomática, Ciência que estuda a relação entre fatores psicológicos e sociais sobre processos biológicos.
Parceria com a medicina tradicional
Kareemi explica que o primeiro passo é escutar as histórias das mulheres que a procuram por redes sociais ou em workshops que disponibilizam tratamentos mais individualizados. A partir daí, ela apresenta possíveis ferramentas, desde psicoterapia até acupuntura, meditação, diário de ciclo menstrual, ioga e ayurveda.
Contudo, a palestrante pontua que a ginecologia emocional é parceira da tradicional, a qual provém aparelhos e conhecimentos para análises clínicas. A partir de diagnósticos constatados em exames, Kareemi direciona suas sugestões e busca o melhor caminho para compreender o sintoma.
Casos excepcionais
Especialistas da área médica da ginecologia reconhecem a importância da autonomia e do protagonismo da mulher sobre tudo o que acontece com o seu corpo, incluindo tratamentos médicos.
Contudo, ressaltam que há problemas que não são necessariamente curados apenas por tratamentos emocionais, como é o caso de tumores e endometriose — quando há a presença do tecido que reveste o interior do útero em regiões fora da cavidade uterina, como intestinos, bexiga, trompas e ovários.
Corpo como um organismo vivo
Linhas terapêuticas como o da ginecologia emocional ganham força na atualidade a partir de questionamentos sobre o corpo da mulher como um objeto estético e mercantil destinado ao prazer dos homens.
Entrar em contato com as próprias emoções e perceber quais memórias ou experiências traumáticas foram retidas é fundamental para reconhecer as respostas do corpo biológico à vida emocional.
Ao conceber uma intensa tensão pré-menstrual como resultado de uma alta carga de estresse acumulado, a mulher ressignifica os sintomas, se conecta com as próprias emoções e deixa de ter seu corpo transformado em objetos, passando, assim, a ser protagonista da própria saúde.