Entrevista com Sérgio Aquino, presidente da Federação Nacional dos Operadores Portuários - Fenop
Muito se tem discutido a possibilidade da concretização ou não do processo de desestatização do Porto de Santos (SP) em um ano eleitoral. Durante o Santos Export, que ocorreu recentemente em Guarujá (SP), o presidente da Federação Nacional dos Operadores Portuários (Fenop), Sérgio Aquino, alertou que, mesmo privatizada, a gestão continuaria atrelada às decisões do governo federal, e que é importante garantir a autonomia da região sobre o complexo portuário e criar uma real relação porto-cidade.
Sérgio Aquino, presidente da Fenop. Crédito: Divulgação | Fenop.
A proposta da desestatização é desburocratizar e aprimorar a gestão portuária, bem como proporcionar investimentos para a região com o capital privado. Durante o Santos Export, o diretor da Antaq, Eduardo Nery, lembrou que entre os principais projetos aguardados para a Baixada Santista dentro deste processo estão o viaduto da Alemoa (Santos), o túnel imerso entre Santos e Guarujá e o Túnel do Maciço (Santos-São Vicente).
Estas e tantas outras obras, no entanto, dizem respeito à relação porto-cidade e não deveriam depender somente do processo de privatização de um complexo portuário que encerrou 2021 com o maior lucro de sua história: R$ 329,1 milhões (62,6% a mais que em 2020, a melhor marca da companhia). Um percentual desse montante solucionaria muitas demandas da região, o que levou a Autoridade Portuária a anunciar a possibilidade de realizar investimentos com a geração de caixa da companhia, além dos recursos arrecadados nos leilões de concessão.
Transformar os planos para o Porto de Santos em um programa de Estado e não apenas em propostas políticas de governo é uma luta que deve ser encampada este ano, segundo informaram Ricardo Molitzas, do Sopesp, e Fabrício Julião, do Santos Export, em debate no programa Porto & Negócios. Outra reivindicação feita ao governo diz respeito à participação das operadoras portuárias no consórcio que vai controlar o porto em caso de desestatização, pedido que foi registrado na carta final do Santos Export.
Durante o Santos Export, Sérgio Aquino falou à esta coluna sobre a importância do caráter coletivo da participação dos terminais na gestão portuária e na alternativa de se mudar a legislação portuária (que hoje burocratiza e emperra processos), caso não haja a desestatização. Aquino ressaltou, no entanto, que grandes portos estadualizados do Brasil têm sido premiados por conta de seus resultados, mesmo tendo que seguir a legislação atual. E defendeu uma maior participação da região no Conselho de Autoridade Portuária (CAP).
Aquino ressalta a importância de o Porto ser considerado de interesse coletivo. Advogado e administrador de empresas, ele é especialista em Planejamento Estratégico e Econômico Financeiro pela Open University of New York e mestre pela USP com uma pesquisa sobre modernização portuária e tecnologia da informação. Atuou nas diretorias Operacional e Comercial de terminal portuário privado por 26 anos, trabalhou na antiga Companhia Docas de Santos, e criou e liderou por sete anos a Secretaria Municipal de Assuntos Portuários de Santos, a primeira instalada em um município portuário no Brasil.
Aquino foi membro e presidente do CAP de Santos e um dos fundadores da Associação Brasileira de Terminais de Líquidos (ABTL), que presidiu por oito anos, e membro da diretoria da Associação Brasileira de Terminais Portuários da Associação Comercial de Santos (ABTP). É diretor da SPA – Soluções Portuárias Aplicadas e participou de diversas delegações do governo federal e de comitivas empresariais, em visitas técnicas a portos nacionais e internacionais. Tem realizado palestras no Brasil e no exterior e professor em diversos cursos universitários e de especialização, abordando temas portuários e correlatos.
Confira, abaixo, a entrevista com Sérgio Aquino:
Qual a importância do caráter coletivo na participação dos terminais?
O princípio básico de um porto é que ele não é um instrumento em si, mas um elo da cadeia. Ele precisa ser competitivo, eficiente, mas também precisa ser um indutor de desenvolvimento da região. Portanto, é importante que a administração do Porto tenha essa visão coletiva, que não seja só com o foco no lucro.
É natural que um porto, mesmo com administração pública, precise ter resultado para poder reinvestir. Mas é preferível que ele não tenha necessidade de gerar lucros para distribuir dividendos, que é da natureza da iniciativa privada com foco isolado no individual. Por isso, estamos estimulando que é possível um processo de desestatização, porque evidencia-se que a legislação brasileira engessa o gestor.
E não é possível mudar a legislação?
O ideal seria mudar a lei. O objetivo inicial seria buscar o modelo de melhor prática mundial para gestão portuária. Vamos ficar fadados a dizer que aqui no Brasil não funciona e por isso não chegamos a um lugar nenhum? Mas isso depende de uma política pública.
Para mudar a lei precisa de um movimento da sociedade como um todo, mas não há esse movimento, essa energia para gerar uma mudança legal, efetiva. Muito embora pode-se afirmar que o modelo que está aí é governável, pois há exemplos de portos eficientes mesmo com este modelo engessado. Os portos estadualizados de Paranaguá, Itaqui, Suape e Rio Grande têm ganhado todos os prêmios anuais da Antaq e da Secretaria Nacional de Portos. Eles optaram por uma outra solução para o maior problema de licitação, que é o da dragagem, pois, pela legislação atual, o contrato só pode ser feito por cinco anos. O que eles estão fazendo? Concessão do canal por 25 anos como se fosse uma rodovia, e se resolve isso de uma vez. É um problema a legislação? É., mas ele é intransponível? Os portos estadualizados estão mostrando que não.
Então o problema não é só isso, é vontade política de enfrentar ou mudar isso. Mas como o governo federal decidiu não enfrentar e mudar, e decidiu entregar para a iniciativa privada, vamos ter cuidado de como será feito isso e tentar aproveitar como uma oportunidade para que os arrendatários, assumindo isso, dentro de uma empresa consorciada, possam ter essa visão coletiva. Trabalhei o enfoque de motivarmos os arrendatários e Terminais de Uso Privado (TUPs) para que tenham uma maior participação nessa futura concessionária privada.
Se o processo de desestatização não se efetivar, haveria abertura para mudar a legislação?
O interessante é que o Porto de Paranaguá está usando uma estratégia que foi criada em Santos. E quem disse isso foi o presidente daquele complexo portuário, Luiz Fernando Garcia da Silva, que recebeu na época o projeto do condomínio portuário de Santos para assumir o canal, quando ele trabalhava na Secretaria Nacional de Portos em Brasília. Ele fez uma readequação do modelo que foi proposto em Santos.
Se não avançar a desestatização, o primeiro foco é rediscutir a concessão do canal e concentrar energias para consertar a legislação, trazendo as melhorias que o sistema portuário precisa: descentralização, recuperação das competências da administração portuária local, criar instrumentos para impedir a nomeação política partidária dos gestores, e recuperar o CAP – não só o poder deliberativo, mas a estrutura do CAP, porque fala-se só no poder deliberativo, mas mudou a composição, pois hoje o poder público manda no CAP.
O CAP anteriormente tinha quatro blocos, sendo só um pertencente ao poder público, e a comunidade local tinha efetivamente influência nas decisões portuárias. O secretário Nacional de Portos e Transportes Aquaviários, Mario Povia, falou no Santos Export que quer que os CAPs voltem a se reunir (hoje a reunião ocorre a cada 3 meses), porque a comunidade está desmotivada, pois, se tenta emitir alguma posição que desagrade ao poder público... o poder concedente (governo federal) é que está definindo como se faz e o que se faz.
A volta do CAP deliberativo é um passo suficiente para a relação porto-cidade se ampliar?
O CAP é o grande instrumento para isso, porque ali não está só o setor empresarial, que é muito importante, mas que precisa dialogar com os demais setores, como trabalhadores, usuários, com o poder público municipal, estadual e federal.
A recuperação do CAP é um dos fatores, mas é preciso também revisar a legislação. Isso só acontecerá se todos da comunidade envolvida se conscientizarem da importância disso. Até o momento a gente não sente essa conscientização coletiva e sem ela as coisas não avançarão.
Seria um papel do Porto abrir mais esse debate com a sociedade?
Para isso precisa também da atualização muito forte dos formadores de opinião local. Desde os gestores do poder público, das entidades locais e da sociedade como um todo. Se não houver uma ação efetiva, a sociedade não acha que isso seja importante, porque se os formadores de opinião que estão envolvidos no processo, não geram esse movimento, e ele não ocorre.
A falta de participação da sociedade no Porto seria reflexo de uma cultura não participativa brasileira nas decisões políticas?
Temos uma sociedade hoje motivada pelo antagonismo e isso não é só na questão política. A sociedade se perdeu com isso e tudo vira antagonismo absoluto. Tudo que você fala, no final das contas carimbam como ideologia de direita e esquerda, como se nossa vida fosse esses extremos. Em tudo temos que buscar equilíbrio, diálogo. Você pode continuar defendendo o seu modo de pensar, mas entendendo que as coisas não são feitas só a partir do seu modo de pensar, mas do modo de pensar coletivo.
E para a relação Porto-cidade seria fundamental o Porto atuar como uma instituição coletiva...
O porto é um instrumento de interesse coletivo, é um instrumento logístico de interesse estratégico do país, econômico, social. Ele tem que ter eficiência de gestão, custos competitivos, mas tem que ser bem visto também pela sociedade. Por isso, quanto mais a administração dele estiver próxima da sociedade local, mais existe efetiva relação cidade-porto. Hoje não existe. Existem relações pontuais.
Quem manda no Porto de Santos hoje é o poder concedente em Brasília. A administradora portuária hoje na legislação é Brasília, ela é assim denominada, mas não é autoridade. É uma cumpridora de ordens do poder concedente. A relação porto-cidade precisa ser construída para que o Porto de Santos seja da comunidade e gere benefícios para todos.