Sábado, 23 Novembro 2024

Representantes da sociedade civil ressaltam a importância da participação social nas decisões sobre mobilidade pública

O intenção do governo federal é apresentar ao público da Baixada Santista a nova modelagem do túnel ligando Santos a Guarujá durante o Fórum Vou de Túnel de Mobilidade Pública, que ocorre em Santos, na sexta-feira (18), disse o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, durante entrevista coletiva na feira Intermodal, em São Paulo, na segunda-feira (15). O projeto do túnel terá mais importância para a população da Baixada Santista do que para o Porto de Santos, afirmam especialistas do setor portuário. No entanto, como muita gente ainda desconhece a proposta do imerso, a participação da sociedade neste debate é imprescindível, para que as cidades tenham o projeto de mobilidade que sonharam.

Túnel Dad

Segundo o ministro da Infraestrutura, o projeto do túnel está previsto no processo de desestatização (que enfrenta alguns questionamentos e críticas), mas, na sua avaliação, caminha conforme o cronograma do governo. O investimento na ligação seca, somado aos outros investimentos que serão feitos no setor ferroviário, deverão elevar o Porto a outro patamar de desenvolvimento, declarou Tarcísio de Freitas aos jornalistas na última terça-feira (15), durante a Intermodal. Porém, especialistas do setor afirmam que o projeto do túnel não depende da desestatização e pode ocorrer independente dele, via Parceria Público Privada (PPP).

O túnel vai melhorar a logística do Porto, mas seu impacto será muito maior na melhoria na mobilidade pública, conforme aponta a própria Autoridade Portuária de Santos. O anúncio sobre a construção do imerso deverá ser firmado durante o 1º Fórum Vou de Túnel de Mobilidade Pública, onde a presença do ministro e do próprio presidente Bolsonaro é aguardada. A participação no evento é online e gratuita. Para se inscrever, basta acessar o site da campanha Vou de Túnel: https://voudetunel.com.br/.

A coluna conversou com representantes da sociedade civil sobre o projeto do túnel. A arquiteta e urbanista Mônica Viana, professora na Unisantos e coordenadora do Núcleo BrCidades RMBS (Região Metropolitana da Baixada Santista), conhece bem o tema. A pesquisadora já orientou diversos trabalhos sobre o tema da ligação seca e ressalta a necessidade da obra ligando Santos e Guarujá, um tema recorrente na história da Baixada Santista, em especial em período eleitoral, comenta.

A polêmica entre as propostas da ponte e túnel como ligação seca entre os dois municípios já é bastante conhecida da mídia, salienta. A proposta do túnel, na sua avaliação, tem como vantagens absorver o tráfego de veículos entre as duas cidades (hoje feito pelas balsas) e dos caminhões de acesso ao Porto de Santos, assim como integrar vários modais com a passagem do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), faixas de rolamento para veículos, passagem para pedestres e ciclistas. Por ser subterrâneo, o túnel terá menor impacto na movimentação do Porto pelos navios no canal do estuário e sobre as áreas de mangue. Além disso, o projeto anterior já possui uma licença prévia com base no EIA-RIMA, trazendo subsídios para atualização do projeto, lembra.

Há, portanto, aspectos que merecem maior cuidado. Ela ressalta a necessidade de se dimensionar e buscar estratégias claras e pactuadas dentro do cronograma previsto para viabilizar o alto custo de construção do projeto, como também a manutenção do túnel, especificando os responsáveis e os prazos para possibilitar o monitoramento e fiscalização.

Mônica Viana também sugere analisar os impactos durante as obras que devem ser dimensionados e minimizados no caso de haver desapropriações de imóveis e famílias, em especial de menor renda, no lado de Santos e Guarujá (Vicente de Carvalho). O projeto anterior do túnel da Dersa previa remoção de famílias da região do Macuco e Estuário, além do Guarujá (Vicente de Carvalho), situação que demanda um processo participativo e transparente junto à população diretamente impactada para construção de um plano de desapropriação e remoção pactuado, em consonância com a legislação urbanística e ambiental vigentes (ZEE-BS, PDZ, PDs, LUOS, ZEIS, PLHIS), diz.

Segundo o consultor do Vou de Túnel, Casemiro Tércio, o novo projeto do túnel prevê "zero desapropriação", com o traçado sendo realizado em área portuária do lado de Santos. Já no caso de Guarujá, famílias que vivem em palafitas serão removidas para um conjunto habitacional, explicou ele, ressaltando que o projeto do túnel tem um aspecto social.

Outro item importante, conforme a arquiteta, é analisar os impactos urbanos e ambientais, diretos e indiretos, com ampliação do tráfego de caminhões e veículos nos bairros (trânsito, impactos sobre as vias, poluição, segurança e descaracterização do bairro). No que diz respeito ao complexo portuário, deve-se também avaliar a limitação do calado do Porto e da dragagem em função da construção do túnel, observa a arquiteta.

“Com certeza uma ligação necessária é esperada, mas requer um planejamento e gestão do desenvolvimento urbano de forma democrática, participativa e integrada, não só no âmbito local dos dois municípios (Santos e Guarujá), mas também regional, da Região Metropolitana da Baixada Santista”. Nas últimas semanas, os municípios de Santos e Guarujá se reuniram com a Autoridade Portuária para discutir sobre a modelagem do túnel e sua inserção nas cidades.

“Creio que dentro dessa polêmica proposta de desestatização do Porto, muita coisa ainda deve ser debatida e melhor esclarecida junto à população, em especial no tocante à divisão de responsabilidades: da iniciativa privada, dos governos federal, estadual e municipais...e como vai se dar o controle social. Eis aí uma questão central ”, ressalta a arquiteta.

Mônica salienta ser importante a integração da Baixada Santista, por meio da mobilidade urbana, considerando essa proposta de ligação seca entre Santos e Guarujá no Plano Regional de Mobilidade Sustentável e Logística da Baixada Santista (PRMSL-BS), que está em debate atualmente pela Agência Metropolitana da Baixada Santista (AGEM) e a consultoria responsável.

Usuária do sistema de balsas entre Santos e Guarujá há mais de 50 anos, a jornalista, coordenadora de Comunicação do Fórum da Cidadania de Santos e promotora legal popular, Maria Aparecida Santos, afirma que a implantação do túnel submerso seria uma excelente alternativa de transporte público. Para atender as necessidades de mobilidade da classe trabalhadora da Baixada Santista, o projeto de ligação seca precisa ter um caráter intermodal, integrando o VLT, ônibus e outros veículos e, principalmente, contemplar a travessia de pedestres. “Caso contrário, o projeto atenderá somente ao transporte de cargas, beneficiando empresários e pessoas de poder aquisitivo médio alto que poderão acessar rapidamente o litoral norte tão frequentado por esse público. Aos usuários das barcas por muitos anos administradas pela Dersa, restará o projeto da nova estação de travessia com elevadores”.

A jornalista ressalta a importância da participação social nas decisões sobre mobilidade pública. "O que me incomoda profundamente é que os usuários do serviço não são ouvidos e muito menos respeitados no tão falado direito de ir e vir e à mobilidade. Morar em Vicente de Carvalho ou Guarujá e trabalhar ou estudar em Santos é desgastante. Tanto de barca, catraia, lancha ou mesmo de balsa, quando se atravessa de carro, o tempo gasto é imprevisível. Ou é a barca que para de funcionar, ou a maré está alta e a catraia não passa pelo canal ou a travessia de lancha e balsa demora demais".

Maria Aparecida não tinha conhecimento até pouco tempo sobre o novo projeto do túnel, e acredita que é preciso difundir mais informações sobre o projeto, já que o tema geralmente ocupa espaços mais especializados da imprensa, pouco acessados pela população em geral. "É preciso informar à população”. Ao conhecer os aspectos do novo projeto do imerso, ela elogiou a proposta, por atender a todos os públicos.

"Acho que o projeto é perfeito, desde que ele saia, pois a discussão de ponte e túnel existe há décadas e agora surgiu essa nova ideia que acho muito interessante se funcionar, pois atende todos os púbicos, bicicletas, pedestres, interliga ônibus e VLT, de modo a promover o transporte metropolitano. Seria bem interessante termos um projeto interligando o VLT de São Vicente, a cidade de Praia Grande, atravessando de Santos a Bertioga. Falta diálogo com a população e projetos como o VLT”. Projetos como o túnel precisam ser bem discutidos e planejados por conta da forte intervenção nas vias públicas e no cotidiano da população, pontua, lembrando os últimos transtornos sofridos por moradores de Santos com as obras do VLT na cidade.

Thais Helena Modesto, membro do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano de Santos como representante da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), e candidata nas últimas eleições à Câmara Municipal de Santos, lembra que a proposta de ligação seca entre a cidade de Santos e Guarujá é uma reivindicação de anos da população, portanto, uma pauta legítima. “E que está sendo atendida somente agora, ou seja, um atraso por parte do poder público em responder às demandas da população”.

Ela defende que o projeto leve em conta as necessidades dos moradores. “Mesmo sendo algo de interesse da população, sabemos que essas propostas são muito mais interessantes para os cofres públicos e para os grandes empresários envolvidos na construção”. Além de se adequar aos cofres públicos, a proposta precisa caber dentro do bolso de quem trabalha e mora em Guarujá e que se desloca a maior parte dos dias da semana para trabalhar em Santos, avalia.

O projeto precisa principalmente priorizar o transporte público coletivo, defende. "Todos aqueles que atravessavam de barquinha e que passarão a atravessar por algum meio de transporte coletivo dentro do túnel devem pagar o mesmo valor médio de tarifa. Essa ligação precisa ser planejada para além do turismo, para além do Porto, para além dos interesses econômicos dos empresários, e para além das classes sociais que possuem veículos particulares, como carro e moto”.

Thais Helena acredita que os estudos elaborados por parte do poder público para ligação seca – tanto a proposta da Ecovias de construção de uma ponte, quanto a proposta do túnel submerso - não tiveram como base os estudos sociais. “Ou seja, o que a população quer e como ela deseja que seja feita essa ligação entre Santos e Guarujá, deve ser levado em conta”.

O processo democrático de participação popular dos munícipes de Santos e Guarujá deve ser anterior à elaboração de qualquer proposta, enfatiza. Logo, antes de se planejar a ligação, a população precisaria ser ouvida. “Geralmente, em relação a qualquer política pública, o poder público elabora uma proposta e consulta a população depois. Do contrário, isso faz com que a população fique engessada e não consiga pensar ou visualizar outros tipos de projetos para além daquele apresentado pelo poder público. Mas deveria ser ao contrário: os técnicos deveriam construir qualquer tipo de estudo e de proposta com base nas informações desses trabalhadores que atravessam diariamente”.

Há muitas dúvidas sobre o projeto do túnel. Como ela vai se inserir no cotidiano da cidade? Quanto custará a tarifa para o usuário? Como seria a travessia dos pedestres no imerso? Qual o tempo previsto para que o usuário possa acessar o túnel? O túnel poderá ser viabilizado caso não ocorra o processo de desestatização?

Para as muitas perguntas é preciso respostas. A expectativa é que elas sejam respondidas nesta sexta-feira por técnicos e especialistas no tema. A participação do público no 1º Fórum Vou de Túnel é uma possibilidade de a sociedade conhecer melhor o projeto de ligação, que pode finalmente estar em vias de implantação.

Marcia editada* Jornalista, fotógrafa, pesquisadora, docente, pós-doutora em Comunicação e Cultura e diretora da Cais das Letras Comunicação. Contato: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

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