A consulta pública sobre a desestatização do Porto de Santos deve ser liberada no final de outubro ou em meados do mês de novembro, informou o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes, em visita ao Porto de Santos na sexta-feira (24). Segundo o ministro, o projeto está adiantado e falta apenas finalizar questões regulatórias.
As discussões sobre o modelo de desestatização devem e precisam ganhar mais espaço daqui para frente, já que em meio aos recentes debates realizados em eventos como o Santos Export e o Porto & Mar (A Tribuna), ouviu-se muitas interrogações em torno do processo.
Há dúvidas sobre o modelo Land Lord aplicado à região, dúvidas se haverá tempo hábil para finalizar o processo antes das eleições presidenciais ano que vem. Confira o que alguns especialistas do setor portuário acreditam ser importante debater a respeito do processo de desestatização.
Frederico Bussinger, consultor portuário
Segundo Frederico Bussinger, a primeira questão importante é lembrar que se trata da desestatização/privatização da autoridade administradora, já que as operações já são 100% realizadas por empresas privadas desde o final dos anos 90, ou seja, há mais de 20 anos.
A primeira pergunta necessária quando se pensa o processo da desestatização é: o que é fundamental discutir? “Inicialmente, a própria ideia ou diretriz de privatização da Autoridade Portuária: sua necessidade, que problemas reais, irá resolver, riscos, efeitos colaterais, cotejamento com outras alternativas, etc.”.
Em segundo lugar, ele afirma quando se trata de desestatização ou privatização da Autoridade Portuária, o que está em jogo é o Porto Organizado, ou seja, o que está inserido dentro da Poligonal. Já o complexo portuário envolve todo o Estuário, o Porto Organizado e os TUPs, existentes e projetados. “Na verdade, o essencial seria discutir a governança do complexo portuário”.
Outra questão que o consultor considera relevante é que, da forma como está, há uma centralização embutida na desestatização. “O desafio, então, fica por conta de explicar-se a descentralização (do processo decisório), participação (dos stakeholders) e autonomia (do arranjo de governança local) no curto espasmo entre os dois modelos; distintos em vários aspectos, mas ambos centralizados”, escreveu Bussinger em um artigo recente.
Bussinger ressalta que não se trata apenas de "aperfeiçoar" o projeto, mas de se discutir o próprio futuro do complexo portuário, onde está incluída a questão porto-cidade: sistematizar os problemas a serem resolvidos e, a partir deles, pactuar. “Pactuar é a palavra fundamental, com a criação de um plano para enfrentá-los nos próximos anos”.
Outra questão conceitual importante: a Autoridade Portuária pode até deter ou administrar um ativo, mas, essencialmente, ela é uma função. Assim, o debate deve ter como foco a função, e não o ativo, que é questão meramente econômico-financeira-comercial.
José Roque, Diretor-Executivo do Sindicato das Agências de Navegação Marítima Estado São Paulo (Sindamar)
Há uma vantagem de um parceiro privado efetuar investimentos relevantes financeiramente. A preocupação do setor portuário é quanto ao formato adotado. Ele deve resultar no aumento do volume de carga, das escalas dos navios e transformar Santos, elevando o complexo à vocação de um Hub Port, de fato.
A descentralização de decisões é necessária e é outra preocupação, bem como melhorar a infraestrutura aquaviária, terrestre e a logística. “Não devemos depender de uma única empresa que detenha as decisões. Os intervenientes, como armadores, agentes marítimos, terminais, entre outros, devem ser ouvidos”.
Um fato que causa inquietação é quanto à tarifa que será aplicada e em que formato, comparando com os demais portos. “Não podemos perder mercado para outros concorrentes”.
Como o governo não fará investimentos em dragagem, é necessário contar com um programa permanente para evitar assoreamento do canal de navegação e do estuário.
Também deverá ser estabelecida uma regra para atração dos navios evitando favorecimentos.
A expansão do Porto, também, não pode ser esquecida.
Mauro Sammarco, presidente da Associação Comercial de Santos
A desestatização é necessária para o Porto de Santos passar a ter um ambiente de administração e de negócios semelhante ao que se emprega nos maiores e melhores complexos portuários do mundo.
Segundo ele, nestes espaços prevalecem “o planejamento; transparência e governança nas relações; gestão profissional pautada por objetivos e metas, em que a sociedade e os variados interesses envolvidos tenham participação; celeridade nos processos decisórios; flexibilidade e agilidade comercial, com foco local e atuação global; políticas consistentes para a atração de novos arranjos, investimentos, negócios e players; de formação e desenvolvimento dos talentos necessários, entre inúmeros outros aspectos que se caberiam elencar”.
O processo da desestatização possibilitará o crescimento do Porto, hoje limitado ao atual modelo, acredita. Para isso, é necessário garantir um ambiente de estabilidade, de respeito aos contratos existentes e de excelência nas questões decorrentes do tripé ESG, salienta.
A relação porto-cidade ganhará muito com a proposta, pois a nova gestora do Porto, por ter sede e foco local, estará próxima, conhecerá e trabalhará na solução dos conflitos a atividade geral. A desestatização também será uma oportunidade para que o valor arrecadado pela outorga seja, pelo menos em parte, empregado na solução de questões de máxima relevância para a região, como a ligação seca entre as margens, por exemplo.
Sammarco acredita que a modelagem a ser apresentada poderá ser aprimorada por meio das audiências públicas, de forma a se alcançar as melhorias que o Porto de Santos necessita.
Rogério Santos, prefeito de Santos
Durante o evento Porto & Mar de A Tribuna, que discutiu a desestatização em Santos, o prefeito da cidade, Rogério Santos, defendeu a volta do Conselho de Autoridade Portuária (CAP) em sua função deliberativa. Da forma como está, o processo prejudica a voz da comunidade portuária, da população, acredita ele, defendendo diálogo mais firme e produtivo com a Autoridade Portuária. No processo de desestatização defendeu o tripé sustentabilidade, economia e social para o Porto e a destinação de parte de outorgas diretamente para os municípios para a região, a serem usados em setores como infraestrutura, saúde, educação.
Ele se mostrou preocupado com o cronograma da desestatização e com o modelo a ser adotado: “Precisamos tomar cuidado, modelos como Austrália não funcionaram. O modelo de Vitória ainda está em curso, por isso a preocupação com o tempo”.
Chico Nogueira, diretor do Settaport
O Settaport (Sindicato dos Empregados Terrestres em Transportes Aquaviários e Operadores Portuários do Estado de São Paulo), presidido por Chico Nogueira, também vereador de Santos (PT), vem alertando para os principais problemas que a privatização pode trazer, como desemprego, perigos ambientais e desestímulo à indústria metropolitana. Na imprensa, Chico vem defendendo o amplo diálogo com a sociedade sobre o tema.
Relação Porto-cidade deve ser prioridade na desestatização
Como bem lembrou, em sua carta final, o evento Brasil Export, realizado em agosto, é preciso se firmar um “Pacto Porto-Cidade”. “Os portos e seus acessos fazem parte das cidades portuárias e temos a responsabilidade de estabelecer uma agenda ampla com todos os agentes envolvidos e, em especial, com a população”, disse o documento.
O desenvolvimento regional deve ser prioridade em todos os processos a respeito do Porto: “O porto, além de servir como instrumento logístico e ser um vetor de desenvolvimento de novos negócios, precisa ser conduzido de forma a incentivar o desenvolvimento socioeconomico regional, com boas práticas ambientais e alocação de recursos recíprocos”.
É a relação porto-cidade, portanto, que deve direcionar todos os debates sobre a desestatização do Porto de Santos.
* Jornalista, fotógrafa, pesquisadora, docente, pós-doutora em Comunicação e Cultura e diretora da Cais das Letras Comunicação. Contato: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.