Engenheiro, professor e pesquisador na Unisanta, Adilson Gonçalves analisa o processo da ligação seca entre as duas margens do Porto de Santos. Segundo ele, que coordena o Núcleo Avançado da Associação para a Colaboração entre Portos e Cidades (Rete), da Unisanta, no Brasil, a solução - ponte ou túnel - depende de uma questão de consenso e bom senso. "O ideal é que seja a melhor solução possível, atendendo a todas as premissas e anseios dos envolvidos, melhorando a mobilidade regional, a logística e o potencial de expansão das atividades portuárias, retroportuárias e industriais, ligadas ao trunfo logístico que é o Porto de Santos."
O prefeito de Santos, Paulo Alexandre Barbosa, afirmou que abordará o tema da ligação seca no Conselho de Desenvolvimento da Baixada Santista (Condesb). Que outras instâncias poderiam ser utilizadas para o debate deste tema?
O Condesb congrega os nove municípios da Região Metropolitana da Baixada Santista e secretarias e órgãos estaduais. Porém, não inclui, salvo engano, representantes do Governo Federal. A questão da ligação seca envolve as três esferas de governo e necessita ser harmonizada entre elas. Nada impede que qualquer tema seja apresentado e apreciado pelo Condesb, cabendo a esse conselho deliberar sobre os procedimentos e encaminhamentos a serem adotados.
A Secretaria de Estado de Logística e Transportes afirma que reformulou o projeto da ponte e que entregaria a versão atualizada em fevereiro último à Codesp para aprovação, o que ainda não foi feito, pelo visto. Quais as dificuldades, na sua opinião, de se adequar o projeto ao Porto? Ou seja, quais as dificuldades técnicas para aprovação do projeto da ponte? Ou seriam mais políticas?
Num recente evento sobre o tema, uma das colocações feitas pela Praticagem, com relação à proposta de ponte, foi sobre o vão entre pilares. Alegaram que o ideal era que esse vão fosse o maiores possível, preferencialmente com as fundações fora do canal de navegação. Disseram que a altura prevista não seria um problema, considerando as embarcações existentes e previstas. O motivo da preocupação está no risco de colisão de embarcações com a estrutura da ponte. É certo que estão previstas as chamadas "estruturas de sacrifício", que impediriam a colisão direta. No entanto, uma eventual colisão com essas estruturas de proteção poderia resultar em danos na embarcação, que poderia vir a soçobrar, bloqueando total ou parcialmente o acesso aos terminais da Alemoa e ao Canal de Piaçaguera, também afetando os terminais da Usiminas e VLi. Também há que se considerar que embarcações de maior porte, como as de 366 m, que vêm sendo estudadas pela USP, têm manobrabilidade reduzida, o que implicaria em maior demanda por rebocadores, o que aumentaria a "largura" dos navios, além de elevar o custo das operações portuárias. Também é importante ressaltar que quanto maior o vão, maior será a altura das torres da ponte estaiada, o que pode afetar o cone de aproximação da Base Aérea de Santos e ao futuro aeroporto regional. Além da Santos Port Authoriy (SPA/CODESP), a Marinha e a Força Aérea são atores importantes nessa análise.
O Porto fez adequações ao projeto do túnel. Você poderia falar sobre elas?
Em meados do século XX, o Eng. Francisco Prestes Maia estudou a possibilidade de ligações secas entre as margens do Canal do Estuário. Antes disso, um estudo de 1927 já havia proposto um túnel na região do Valongo. No estudo de Prestes Maia, foram destacadas três opções: Valongo, Outeirinhos e Ponta da Praia. No caso de Outeirinhos, a proposta era de uma ponte móvel que, se tivesse sido construída, já teria sido demolida, em função da movimentação e dimensões dos navios operados já poucas décadas depois. A maquete "inaugurada" pelo então Governador José Serra, que propunha uma ponte estaiada na Ponta da Praia, foi uma proposta descabida, sem consulta aos atores intervenientes, "vendida" como um "cartão postal". Na época, quando os responsáveis pelo "projeto" foram questionados sobre a alternativa de túnel subaquático (que a Codesp já havia estudado, no final dos anos de 1990, na região de Outeirinhos), afirmaram que essa solução demandaria fundação em solo resistente, o que implicaria em profundidades superiores a 50 metros, o que seria muito mais caro do que uma ponte. O curioso é que, no governo Alckmin, a mesma equipe reconheceu que a solução túnel "flutuante", executada em módulos, já existente em Hong Kong e na ligação entre a Dinamarca e a Suécia, era viável, respeitando a profundidade máxima prevista para o canal de navegação (17m). O projeto-executivo desse túnel, na região de Outeirinhos (a mesma região estudada por Prestes Maia e pela Codesp, no final da década de 1990), foi elaborado e licenciado, incluindo o enterramento do "linhão de Itatinga", ou seja, eliminando a única limitação aérea existente no canal. Usaria a faixa de domínio da linha de transmissão da Usina de Itatinga como canteiro de produção dos módulos. Os custos seriam divididos entre os governos estadual e federal, porém, este último alegou não dispor de recursos, embora o BNDES estivesse financiando várias obras de infraestrutura em outros países. Também havia a questão da adequação do túnel aos sistemas viários municipais e questões fundiárias a serem equacionadas (desapropriações), que geram certa resistência por parte da comunidade local. O túnel reestudado pela Codesp teve por base o projeto-executivo licenciado pela Dersa, porém, com alteração de traçado e conceito: em vez de interligar áreas urbanas, interligaria as avenidas perimetrais do porto, mantendo a proposta da solução original, incluindo previsão para passagem do VLT, pedestres e ciclistas. Essa proposta encurtaria o percurso e eliminaria necessidade de desapropriações, no lado de Santos. Por estar em posição intermediária, também absorveria maior percentual do tráfego intermunicipal, hoje atendido por travessias aquaviárias (barcas e balsas). A solução ponte, como apresentada pelo Governo do Estado, não permite tráfego de bicicletas nem prevê faixa por VLT. Também é importante destacar que a solução túnel tem menos impacto quanto aos acessos terrestres do que a ponte, que exigirá alças mais longas, por sua altura.
Explane, por favor, sobre as vantagens e desvantagens do projeto do túnel e da ponte para a mobilidade pública e para os municípios de Santos e Guarujá.
A ponte proposta fará a ligação Santos Ilha - Santos Continente, potencializando o desenvolvimento da área continental de Santos, caso as restrições impostas pela legislação ambiental sejam racionalizadas. Seria um importante fator para a atração de novas atividades econômicas sustentáveis, inclusive industriais, tendo o complexo portuário como trunfo logísitico. O túnel proposto prevê a ligação Santos-Ilha - Guarujá, que também potencializada essa expansão econômica. A localização da ponte considera a interligação de rodovias sob concessão, sendo que terá pouca atratividade para a mobilidade regional, mais especificamente para absorver parte significativa dos usuários do sistema de balsas. A solução ponte pode impactar a logística portuária, o que não ocorreria com o túnel proposto. A construção da ponte não prejudicaria, em tese, com a movimentação de embarcações, pois o sistema construtivo seria com o tabuleiro executado por "balanços sucessivos", sem necessidade de escoramento no canal. Já a solução túnel implicaria em interrupção temporária do tráfego aquaviário, para disposição dos módulos, o que dependeria de ajustes de programação da movimentação dos navios. A ponte não previu acessibilidade para ciclistas e VLT; o túnel, sim. O Poder Público, estadual e federal, não dispõe de verba para financiar a construção. Já a concessionária propõe a construção da ponte, em troca de prorrogação do prazo de concessão. A CODESP sugeriu que as avenidas perimetrais do porto fossem incluídas na área de concessão, para viabilizar a construção do túnel, porém, essa alternativa é de extrema complexidade jurídica, de difícil equacionamento, não tendo sido bem recebida pelos interessados na construção da ponte. As alterações do túnel propostas pela CODESP tornariam, segundo a empresa, o custo mais interessante do que o da ponte. O túnel removeria a única barreira aérea existente no canal (o "linhão de Itatinga"), em vez de criar uma nova (uma ponte). A Praticagem alega que a ponte poderia ter um vão maior, posto que a visibilidade de manobrar das embarcações, mesmo em dias sem neblina e claros, é limitada; mas que continuará a colaborar para que a operação portuária não seja prejudicada, qualquer que seja a solução adotada.
Há um entrave entre governos federal e estadual sobre o projeto da ligação seca. Você vê uma possível solução para esse impasse?
A solução, qualquer que seja, depende da conciliação de interesses, o que depende do equacionamento de questões técnicas, mas, principalmente, financeiras e políticas. O problema está em quem tem, hoje, recursos financeiros e interesse para fazer essa ligação, no caso a concessionária, que a construiria em troca de prorrogação do prazo de concessão, o que protelaria o imponderável resultado de uma nova licitação do Sistema Anchieta-Imigrantes, considerando que o prazo atual expira em 2026. O ideal é que seja a melhor solução possível, atendendo a todas as premissas e anseios dos envolvidos, melhorando a mobilidade regional, a logística e o potencial de expansão das atividades portuárias, retroportuárias e industriais, ligadas ao trunfo logístico que é o Porto de Santos. Trata-se, portanto, de uma questão de consenso e bom senso.