Por Mario Osava, da IPS
Rio de Janeiro, Brasil, 15/2/2011 – Há duas décadas, a ameaça à primazia econômica mundial dos Estados Unidos era o Japão, que se diluiu antes de ingressar neste século. Agora, os novos campeões do crescimento, China e Índia, sugerem que o tamanho da população se converteu em fator decisivo. Os dois países emergentes mais populosos do mundo ganharam voz e protagonismo no cenário internacional, a ponto de tentarem ter uma identidade grupal, como é o Bric (Brasil, Rússia, Índia e China), apesar de seu desenvolvimento e história totalmente diferentes.
O peso deste quarteto de nações não era, na época, proporcional diante de seu escasso poder econômico e político, com exceção da Rússia quando liderava a União Soviética, em comparação com a projeção internacional de países como França, Grã-Bretanha e Itália, com cerca de 60 milhões de habitantes cada um, um terço da população brasileira e um vigésimo da chinesa.
Agora essa “convergência” entre os poderosos países industrializados e os grandes do mundo em desenvolvimento deverá se acentuar com a continuação do ciclo de maior crescimento dos emergentes, prevista pelo Banco Mundial e por outras instituições, disse o brasileiro Claudio Dedecca, professor da Universidade de Campinas e pesquisador em Economia do Trabalho. A igualdade entre esses países diminui, mas restam “os desequilíbrios internacionais de forma diferente”, explicou, após lamentar a sorte da África, com esses problemas ainda sem rumo de solução, ao contrário de América Latina e Ásia.
Muitos países africanos estão entre os que mais crescerão economicamente nos próximos anos, segundo as previsões, e isso será devido aos investimentos da China e às vendas que os africanos fazem de produtos primários, em um comércio desequilibrado que também afeta o Brasil. Este país, China e Índia se beneficiam de sua enorme população porque adotaram políticas que “combinam desenvolvimento do mercado interno e inserção internacional” para um crescimento acelerado, disse Claudio.
Nos anos 1980 e 1990, a hegemonia do que Claudio chama de pensamento conservador e a economia-cassino, “havia desacreditado a importância do mercado interno”, cujo potencial aumenta em países de população gigante e baixo nível de consumo. O trabalho também se tornou “preponderante” depois do desprezo anterior, acrescentou. A liberalização comercial das últimas décadas favoreceu esse processo ao promover o deslocamento das indústrias em busca de mão-de-obra barata e abundante, como a chinesa e a indiana, e a escala de produção permitida pelos imensos mercados internos.
A menor proteção nos mercados nacionais acentuou a competição internacional, forçando as empresas a reduzirem custos, pelas migrações ou pressionando seu próprio país para flexibilizar as leis trabalhistas, baixar os tributos, os salários e os direitos sociais, reconheceu Claudio. A pressão “se dilui” quando a economia cresce, ressaltou. Esta migração para custos menores, por exemplo, contribui para o desenvolvimento do Nordeste, região mais pobre do Brasil e onde mais cresce o produto industrial ultimamente, devido à atração de empresas intensivas em trabalho. Os trabalhadores locais já não partem, como antes, em busca de empregos em outras partes do país.
Também o Paraguai se beneficia do alto custo da energia e da mão-de-obra no Brasil. Muitas indústrias estão se mudando para o país mais pobre do Mercosul, que ambos compartilham com Argentina e Uruguai, atraídos por sua ampla oferta de eletricidade barata e salários menores. Este é um processo recente. O auge japonês se destacou no final do Século 20 com a tecnologia, a indústria e marcas de qualidade, a gestão eficiente e a obsessão educacional.
Os veículos e bens econômicos produzidos no Japão invadiam todos os mercados, seus relógios digitais Seiko, Citizen e Orient destronaram a imagem de precisão suíça e suas máquinas fotográficas se tornaram onipresentes. Sony, Toshiba, Toyota, Honda, Nikon, Canon e muitas outras marcas conquistaram a preferência de consumidores em todo o mundo. Além disso, na esteira japonesa surgiram os “tigres asiáticos”, fortalecendo a bacia do Pacífico como novo eixo central da economia global.
Isso confirmava, ao que parece, as opiniões que apontavam a tecnologia como o principal fator do desenvolvimento, acima dos recursos naturais e da maior população. O Japão, carente de matérias-primas, especialmente petróleo, conseguiu manter um forte crescimento econômico mesmo após a crise desse combustível na década de 1970. O país acumulou também um poder financeiro que permitiu que estendesse seus tentáculos pelo mundo.
Seus investimentos externos aumentaram de US$ 85 bilhões para US$ 300 bilhões entre 1985 e 1990. Em 1989, a Sony adquiriu a gigante do cinema, a Columbia Pictures, e a Mitsubishi comprou o Rockfeller Center, em Nova York, em um desafiador golpe simbólico à hegemonia norte-americana. A essa altura, no entanto, o Japão já havia selado sua queda, ao aceitar valorizar sua moeda, o iene, em relação ao dólar, em um acordo assinado em 1985 com quatro potências ocidentais.
Agora, a China se nega a repetir esse “erro”, enquanto o Brasil luta para atenuar o fortalecimento de sua moeda, o que tira competitividade de seus produtos industriais, especialmente diante dos chineses. Ainda assim, o Brasil conseguiu criar 15 milhões de novos empregos nos últimos oito anos, ampliando seu mercado interno também com aumentos reais do salário mínimo e programas sociais que tiraram da pobreza 28 milhões de pessoas. Gerar empregos também é uma obsessão da China atualmente, inclusive no exterior, onde seus investimentos são feitos com numerosa participação de trabalhadores desse país. Na Índia, estima-se ser necessária a criação de 200 milhões de postos de trabalho nos próximos 20 anos para absorver os jovens.
Com seu crescimento, esses três países, que somam 40% da população mundial, destacam um passado que dissociava tamanho e economia. Apenas em meados do Século 20 teve fim a era na qual nações pequenas, como Bélgica, Holanda e Portugal, dominavam países e territórios muito mais extensos. Porém, era latente a tendência de predomínio de Estados grandes, da qual “talvez a disputa entre Estados Unidos e União Soviética tenha sido o primeiro capítulo” e a Zona do Euro uma resposta, disse o sociólogo Willian Nozaki, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e doutorando em Desenvolvimento Econômico.
O crescimento econômico de Brasil, China e Índia pode ser considerado uma continuação desse processo, mas são casos distintos e mantêm “relações assimétricas” entre eles, com o Brasil exportando quase unicamente matérias-primas para esses sócios asiáticos, alertou Willian. China e Índia possuem parques produtivos inovadores e complexos e estimularam avanços industriais e tecnológicos, destacou. Os países com territórios e populações grandes tendem a se sobressair na economia internacional contemporânea, mas “o lugar de cada um dependerá de como se posicionarem regionalmente, além da força de suas moedas e suas armas”, concluiu o pesquisador. Envolverde/IPS
(IPS/Envolverde)