Uma nova audiência pública na Câmara dos Deputados, programada para ocorrer no segundo semestre, debaterá o tema da ligação seca entre as duas margens do Porto de Santos. O evento ocorrerá após a definição em setembro, pelo Ministério da Infraestrutura, sobre o modal mais adequado à região – ponte ou túnel. Enquanto o projeto da ponte da Ecovias vive um período de espera e de silêncio, o movimento Vou de Túnel busca fortalecer o projeto ampliando o apoio técnico ao modal submerso.
Trânsito das balsas promove lentidão na movimentação dos navios e na mobilidade pública. Foto: Divulgação.
A participação dos municípios envolvidos na questão da ligação seca é crucial para que a melhor solução para as cidades, a população e o Porto, se viabilize. A proposta da audiência em Brasília, encaminhada pela deputada federal Rosana Valle (PSB), prevê um debate com a presença de representantes das prefeituras de Santos e Guarujá.
O tema da ligação seca ganhou novos contornos após o acidente ocorrido em junho com um navio no Porto. Especialistas evidenciaram as vantagens do túnel, alegando a necessidade de evitar obstáculos no canal e o impedimento da continuidade da operação do Porto.
Adilson Luiz Gonçalves, engenheiro e professor pesquisador do Núcleo de Estudos Portuários, Marítimos e Territoriais da Universidade Santa Cecília (NEPOMT-UNISANTA), recorda outros acidentes ocorridos no Porto: “Já houve casos de acidentes similares, como o da colisão do navio porta-contêineres Santos Express na mesma área, em 2018; do navio graneleiro Copenhagen, em 2014; e do navio de carga geral Zhen Hua 27, em 2009. Embora também sem vítimas, houve prejuízos significativos ao sistema de travessia por balsas, prejudicando a mobilidade interurbana entre Santos e Guarujá. “No caso específico do sistema de balsas, tal recorrência reforça a necessidade de viabilização da ligação seca entre as margens do canal, como forma que superar essa antiga demanda de mobilidade interurbana”.
Ainda que acidentes com navios no canal não sejam comuns, representantes do setor portuário apontam que o cuidado com a segurança da população e do canal deve ser prioridade. O diretor do Sindamar, José Roque, destaca que no último ano houve dezenas de milhares de manobras sem registro de acidentes. “Reputo como de excelência o serviço da praticarem. O alerta dos práticos evitou uma tragédia e maiores prejuízos materiais. No entanto, sempre haverá esse risco com a possível vinda de navios maiores. O tráfego de várias embarcações entre as margens é intenso”. Sobre o túnel, afirma: “Está provado que o túnel é de suma importância. O túnel traz segurança”.
O ex-capitão dos Portos de SP e coordenador da Câmara Setorial de Navegação da Associação Comercial, Alberto Carvalho Pinheiro, também reforça que esse tipo de acidente não tem sido recorrente. “Em 2020, no Porto de Santos, ocorreram 4904 atracações de navios sem registro de acidentes de navegação. O porto é seguro. Com relação ao túnel, não dá para fazer relação direta com o acidente, pois o navio colidiu com uma estrutura física, e poderia ser com qualquer outra estrutura, não foi a movimentação das balsas que influenciou na manobra do navio. As rajadas de vento podem ser uma das causas, mas só as compilações de todos os dados disponíveis podem definir quais foram”. Uma ponte, no entanto, seria um obstáculo para a navegação no Porto e para a expansão de terminais e do complexo portuário, conforme destaca.
“Para efeito de segurança de navegação, a ponte tem dois aspectos importantes – altura e vão central – e não pode oferecer obstáculo para navios. O chamado calado aéreo, altura máxima que a ponte pode ter, não pode atrapalhar o descolamento do navio em termos de altura dele. E sobre os pilares dentro da água, eles oferecem, mesmo estando dentro do canal principal, um obstáculo para a manobra do navio, pois eventualmente ele precisa fazer alguma manobra emergencial, talvez por conta de uma falha de máquina, por exemplo. Daí o navio terá área menor para poder se movimentar e evitar um acidente maior, um encalhe etc.”.
Ainda que as estruturas da ponte fiquem fora do mar, podem oferecer perigo, explica: “Se os pilares da ponte forem ficar fora da água, em terra, tem que ver a interferência dela em margens, se não vai atrapalhar a eventual expansão de terminais portuários, com a criação de novos terminais, construção de piers, pontos de atracação, tudo isso tem que ser visto. É muito delicado colocar uma ponte numa área onde temos um porto grande desses, com essa navegação, e impedir a expansão futura de algum terminal”.
O engenheiro Eduardo Lustoza, porta-voz do momento Vou de Túnel, pontua que os riscos no canal do Porto de Santos são grandes com a manutenção do sistema de balsas na rota dos navios.
Com a audiência em Brasília, este debate envolvendo os municípios poderá ser aprofundado. Na ocasião espera-se que seja finalmente encaminhada a solução da melhor opção seca para ligar as duas margens do Porto. O setor portuário e a população devem participar ativamente das definições deste projeto de infraestrutura e mobilidade pública tão necessário para a região da Baixada Santista.
* Jornalista, fotógrafa, pesquisadora, docente, pós-doutora em Comunicação e Cultura e diretora da Cais das Letras Comunicação. Contato: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.